10 do Mês — Novembro de 2020

Gustavo Sumares
17 min readDec 5, 2020

Escute aqui: https://open.spotify.com/playlist/4Yjlyu9bckAnjEBtrwhry9?si=ZbYZzKFHTIGEUaOZkejfgg

Apenas 4 dias após o primeiro de dezembro, está no ar o 10 do Mês de Novembro! Você vai ler a seguir sobre 10 faixas lançadas em novembro que merecem sua consideração para as listas de melhores do ano, se você ainda tiver espaço na sua. E se não tiver, recomendo bastante que abra espaço para alguns dos artistas que vêm a seguir.

Em novembro eu consegui ser um pouco mais comedido com as bandas que selecionei para ouvir. Mesmo assim, teve muita coisa interessante. Não sei se a pandemia afetou o calendário de lançamentos do ano e fez novembro ser mais movimentado, porque eu lembro de ser um mês já meio morto nos anos passados, mas em 2020 teve coisa legal pra caramba saindo esses dias.

Dessa forma, não foi fácil escolher só 10 faixas para montar essa playlist. Quer dizer, nunca é, mas tem meses mais fáceis e esse não foi um deles. E no final, eu me preocupei por achar que essa playlist tinha ficado diferente das anteriores. Depois me acalmei e pensei que isso na verdade era uma coisa boa.

Nunca sei se eu realmente escolhi só os melhores artistas para entrar aqui, mas em geral o que me consola é saber que o processo de escolha foi trabalhoso. No final da montagem dessa lista, eu também fiquei na dúvida. Mas de repente as faixas começaram a cair numa ordem que fez sentido e eu me tranquilizei. Claro, se você quiser ver o que mais poderia ter entrado, a imagem abaixo é a melhor referência:

Menções honrosas

Cadu Tenório — Waifu: O artista sonoro Cadu Tenório apareceu no 10 do Mês de março de 2019, com uma faixa Corrupted Data孤独死, e desde então eu tenho acompanhado (e curtido) todos os lançamentos dele. Waifu já é o terceiro disco que ele soltou desde então, e talvez seja o mais “silencioso” de todos. Sem dar spoilers, digo que é uma audição que entra na mente.

Juba — Ethos: Juba é o nome artístico do filho do Alceu Valença, mas acho que se você só ouvisse o disco de estreia dele, descobriria isso sozinho. Ele caminha pelos mesmos ritmos e poéticas que o pai, mas com uma roupagem mais atual e arranjos que incluem umas dissonâncias e estranhezas bonitas.

anrimeal — Could Divine: artista portuguesa que faz um som que ela mesma chama de “folk de computador”. Me parece um rótulo adequado: arranjos simples, com poucos elementos, e aspecto de “gravado no próprio quarto”, mas com desvios muito interessantes. Gosto de imaginar que o título é uma tradução errada da expressão “poder divino”.

Gwenifer Raymond — Strange Lights Over Garth Mountain: recentemente falei aqui da guitarrista virtuosa Kaki King. Gwenifer Raymond não me parece menos virtuosa, mas ela toca violão na tradição da música do Mississipi e dos montes Apalaches. O disco todo é só ela e algumas percussões, e lembra os mexicanos Rodrigo y Gabriela nos quesitos “como é possível tocar assim???” e no fato de não faltar nada às canções, mesmo que elas sejam só violão.

E agora, temos enfim:

10 do Mês de Novembro de 2020

[essa playlist tambéma cabou ficando numa ordem legal para ouvir inteira. Mas se quiser fazer umas pausas, a primeira é daqui a quatro músicas. Se não, só dar play e curtir. Vamos lá!]

Molchat Doma — “Дискотека / Discotheque”, do álbum Monument

Essa galera não morre mais. No 10 do Mês de Setembro eu cheguei a comentar sobre eles para falar que o som do Sketchquiet lembrava eles. E eis que logo em seguida eles lançam disco novo. Esse trio da Bielorrússia faz um som pesadamente eletrônico muito interessante que eu descreveria como “Tarkovsky na balada” ou “ouvir uma versão leste-europeia do Depeche Mode por uma linha de telefone meio ruim”. Foi justamente esse som que me chamou a atenção quando o YouTube me recomendou no ano passado o segundo álbum deles, Этажи (Etazhi, ou “andares”). Bom, não só o som: a capa do disco, uma imagem bicolor do curioso Hotel Panorama na Eslovênia, também me motivou a clicar (confere no bandcamp). E não fui só eu: graças àquele disco o Molchat Doma (nome que significa “Casas estão silenciosas”) fez um baita sucesso, e lançou agora um terceiro álbum de produção mais primorosa.

Incrivelmente, a melhora na produção não impactou em nada o estilo gótico lo-fi dançante melancólico do grupo — algo que eu temia que fosse acontecer. É como se eles estivessem gravando em alta fidelidade instrumentos que produzem sons muito simples, como baterias eletrônicas antigas e sintetizadores de sonoridade bem estranha. E mais: usando esses sons simples para transmitir emoções densas. A voz grave e reflexiva do cantor Egor Shkutko ajuda a evocar as bandas góticas dos anos 80, mas em faixas como “Ленинградский блюз / Leningradsky Blues” eles conseguem incorporar guitarras ao seu som sem se afastar dessa referência. A faixa que eu escolhi é a mais empolgante do disco, que em outros pontos é mais introspectivo e nublado. Pode levar uns segundinhos para se acostumar ao som do grupo, mas o fato é que a mistura de elementos sonoros que o Molchat Doma promove encontra poucos semelhantes no mundo da música atual, e dificilmente alguém consegue atuar nesse estilo melhor do que eles. Um exemplo excelente de como crescer sem perder a essência.

Carabobina — “De Nuevo”, do álbum Carabobina

A dupla Carabpobina é formada pelo brasileiro Raphael Vaz, baixista do Boogarins, e pela venezuelana Alejandra Luciani. Os dois formam uma parceria amorosa além de criativa: segundo esse texto, eles se conheceram em um show em 2017, quando Alejandra já morava no Brasil há três anos. Ela comentou que era de um estado da Venezuela chamado Carabobo e, de acordo com o texto, Raphael disse que já tinha sido chamado assim também. Dessa dupla identificação com o termo veio a ideia de usá-lo para o nome da colaboração musical. Ela trabalha como técnica de som e o Raphael, do Boogarins, também trabalha e viaja bastante, de maneira que o disco de estreia deles foi gravado ao longo de dois anos, naquele esquema “quando der um tempo”. Mas felizmente o trabalho evita várias das armadilhas que poderiam surgir dessa situação — não soa como projeto paralelo nem cai na vergonha alheia de casal apaixonado fazendo canções de amor fofas.

O som desse disco de estreia é uma música eletrônica focada em experimentações sonoras, mas em formas relativamente simples (nenhuma das faixas passa de 4 minutos) e com vários traços que facilitam a aproximação, como refrões e melodicas vocais destacadas. Curiosamente, além das letras (ora em português, ora em espanhol, e em uma das faixas em inglês), há muito pouco aqui que pareça imediatamente brasileiro, venezuelano ou latino-americano de maneira geral. O grande diferencial é a produção impecável, que faz com que cada som seja absolutamente envolvente. Há sempre um cuidado muito apurado na escolha dos timbres, que vão desde baterias eletrônicas simples e sintetizadores de sonoridade analógica até guitarras processadas de maneiras interessantes. Eu escolhi para representar o disco a faixa “De Nuevo”, que tem um arranjo mais esparso e deixa bem evidente essa atenção a cada som. Segundo esse faixa-a-faixa, foi a primeira música do disco a ser concebida totalmente.

Dorcha — “Bruiser”, do álbum Honey Badger

Mais uma recomendação da minha amgia Beatriz Moura, da Casa Natura, o Dorcha é um quinteto britânico composto por quatro moças e um cara que fazem um som bem estranhão e muito foda. Com cordas, sintetizadores, baixo e bateria, elas compõem canções com várias partes diferentes, mudanças de andamento súbitas, explosões de barulho inusitadas e melodias bonitas. Tudo isso gravado no estúdio Invada do Geoff Barrow, baterista do Portishead e do BEAK>. Segundo o bandcamp, o nome deles vem de uma palavra do gaélico escocês que significa “escuro, sombrio, enigmático”, e a descrição me pareceu precisa. Ainda de acordo com o site, esse disco conta a história de “um cérebro introvertido sendo arrastado por uma festa psicodélica e a constante batalha entre a criatura ambígua que mora na sua intimidade: o Honey Badger”. Honey Badger, de fato, é o nome do disco, e o Google sugere traduzir como “texugo de mel”, mas eu acho que usar esse nome acabaria com qualquer pretensão de mistério e seriedade do álbum.

Nessa jornada, o grupo encontra uma série de criaturas místicas como o “Bruiser”, que dá nome à faixa que eu escolhi, bem como “Lizards” e “Horses” — que nomeiam outras composições de destaque. Tudo isso soa meio pretensioso, e acho que seria de fato, se não fosse a musicalidade incrível da banda, que liga essas ideias a formas musicais simultaneamente sedutoras e estranhas. Belos refrões surgem do nada; ritmos dançantes dão lugar de repente a arranjos vazios e ritmos lentos. E, no meio disso, quatro intrlúdios interessantes, com nomes que vão de “m_eets” a “meet_s”, com o “_” mudando de lugar. Você nunca sabe ao certo o que vai ouvir em seguida, mas sempre acaba sendo uma surpresa interessante. E tudo isso gravado de um jeito meio esparso, com bastante reverb, como se os microfones estivessem longe dos instrumentos que estão captando.

TARDA — “Paranoid Quarto”, do álbum Futuro

A banda TARDA tem uma estética muito bem feita que me chama a atenção imediatamente. Ouvir o disco de estreia deles é meio como ouvir um álbum perdido de uma banda dos anos áureos da gravadora 4AD que, após uma sessão da brincadeira do copo, acabou se vendo transportada para o Brasil pós-golpe. Fortalecendo o clima sobrenatural, este texto comenta que os membros consultaram o I-Ching quando começaram a banda. É um som que se preocupa bem mais com clima e ambiência do que propriamente com formas ou melodias, e lembra também algo do Warpaint em alguns momentos de exploração sonora, e do Our Broken Garden no tom melancólico. “Paranoid Quarto” a quarta (coincidentemente) faixa do disco, me pareceu uma ótima amostra desse som.

O quinteto é formado pelas artistas Julia Baumfeld e Sara Não Tem Nome (que estão em Belo Horizonte), Paola Rodrigues e Victor Galvão (em São Paulo) e Randolpho Lamonier (em Paris). Eles vem trabalhando a distância desde março, de acordo com este texto, e o som traz em alguns momentos esse aspecto de colagem e colaboração assíncrona que costuma marcar obras construídas dessa forma — a faixa “Pantasma”, feita com um monte de discursos e entrevistas sobre uma linha de baixo insistente, me vem à mente. Mas isso só acrescenta ao tom misterioso e onírico do disco. Tudo parece distante, tudo tem muito eco, e são poucos (mas excelentes) os momentos de maior intensidade de volume e emoção (como o final da “Buraco de Afundar”). Pegando por estereótipos, eu diria que se você costuma se interessar por filmes de “terror” que envolvem fantasmas mais tristes do que violentos, provavelmente vai curtir bastante esse disco.

[Se quiser fazer uma pausa, aqui é um ótimo lugar. Depois, ouve mais três e vem ler mais]

Exploding Star Orchestra — “Parable of Inclusion”, do álbum Dimensional Stardust

A Exploding Star Orchestra é um grupo montado em 2005 pelo trumpetista e pianista Rob Mazurek, sob comissão do Jazz Institute of Chicago e do Chicago Cultural Center. O objetivo era criar um grupo que representasse a diversidade da cena de jazz da cidade, e o som que eles criam deixa plenamente justificados os termos universais e espaciais que eles usam em seu nome e nos nomes de seus discos. Apesar das origens do grupo no jazz, o álbum mais recente deles, Dimensional Stardist, soa como uma única peça inteiramente composta. Cada nota de cada instrumento dos 13 músicos que tecem a intricada tapeçaria desse disco parece vir exatamente no momento certo, e no volume certo. Ao mesmo tempo, há uma energia e um senso de espontaneidade nas performances que me remete a um grupo grande tocando junto (embora, como muito do jazz de 2020, esse disco tenha sido gravado separadamente pelos membros e depois editado).

O resultado é uma espécie de Colosso de papel: uma obra monumental que, no entanto, é muito leve e tranquila de se ouvir. Talvez a escolha de timbres tenha um papel nisso? Sopros, vibrafone, baterias e percussões agudas formam o grosso da sonoridade, bem como algumas vozes que falam mais do que cantam. Entre elas, aliás, o bandcamp lista a voz de Damon Locks, compositor e poeta por trás do Where Future Unfolds, um dos meus discos favoritos de 2019. Talvez haja um conceito ou mensagem maior nas frases que ele declama e no título das músicas, mas eu não me senti muito compelido a analisar — a riqueza de sons do disco já me pareceu suficiente. Essa riqueza, a força das performances musicais e a qualidade inegável da produção me falam de temas existenciais e cosmológicos mais do que as palavras. Ah, e uma curiosidade: Mazurek, o “cabeça” do grupo, tem também uma ligação forte com o Brasil: ele morou aqui de 2000 a 2005, fundou um grupo com o Maurício Takara e o Guilherme Granado, e colaborou com artistas como Naná Vasconcellos, Marcelo Camelo e Alexandre Kassin.

Ohzora Kimishima ( 君島大空) — “縫層 (Housou)”, do álbum 縫層 (Housou)

A barreira linguística pegou pesado com esse disco. Ele apareceu na newsletter do newalbumreleases.net e eu quis ouvir, então precisei copiar o nome do artista e colar no Spotify. Depois joguei no Google e achei uma transliteração do nome dele. Mas o nome do disco e das faixas não se resolveu tão fácil assim. No Spotify está tudo em japonês; no Apple Music, o disco se chama Housou. Mas jogando o nome do álbum no Google Tradutor, a tradução que aparece é “Nui-sō”, que significa “camada de costura”. Ou seja: não sei como se pronuncia o nome do disco, mas deixei Housou para errar junto com a Apple se estiver errado. Felizmente, ouvir e curtir a música é bem mais simples do que isso.

O Ohzora Kimishima é um guitarrista nascido em 1995 que já tocou para outros artistas mas resolveu fazer sua própria música uns anos atrás. Ele já tinha seis outros singles lançados, mas esse é o primeiro trabalho mais robusto dele. É um som bem interessante: arranjos bem cheios, com guitarra, baixo bateria acústica, teclados e umas passagens bem difíceis que me remetem até meio a rock progressivo, mas pelo viés do pop japonês. A voz dele, sussurrada e super aguda, é o que dá um tom bem diferente ao som — ele parece cantar baixo mas aumentar o volume e o reverb para parecer mais alto. A faixa-título, que eu destaquei aqui, traz tudo isso na melhor forma. E ele também parece ser uma figura bem interessante: nesta entrevista, ele cita o Egberto Gismonti e o Antonio Loureiro como influências (ao lado de Meshuggah, Fennesz e Richie Kotzen), fala sobre como a pandemia fez ele ficar mais introspectivo e também mostra algumas colagens que ele faz (a capa do disco é uma delas).

Garmarna — “Dagen Flyr”, do álbum Förbundet

Embora eu só tenha conhecido eles agora, o Garmarna é um quinteto sueco com quase trinta anos de estrada. São quatro caras e uma moça, e eles tocam música folk escandinava — mas não exclusivamente. Há instrumentos tradicionais nos arranjos das canções (as cordas são o que me chama mais a atenção), mas há também bateria, baixo elétrico e outros toques que ajudam a música a soar mais familiar para que (como eu) não conhece o estilo. Ao mesmo tempo, há muitas coisas interessantes para se ouvir no som deles: além dos instrumentos de corda, eu também adoro as harmonizações vocais que estão presentes em quase todas as faixas.

Förbundet, o nome do disco, significa “União”, e a faixa que eu escolhi, a animada “Dagen Flyr”, significa “O Dia Voa” (sempre segundo o Google Tradutor). Segundo este texto, publicado quando a faixa foi revelada (antes do resto do álbum), ela é bem mais sombria do que parece. É uma música de coro tradicional de uma parte da Estônia que fala sueco e sua letra fala sobre a chegada da velhice, a despedida da vida e a aceitação da morte. Só ouvindo a melodia grudenta de violina que serve de refrão à faixa eu jamais adivinharia. Fora isso, o texto também conta que eles já tocam essa faixa ao vivo há anos, mas nunca chegaram a gravá-la. Que bom que gravaram agora.

[Outro bom lugar pra fazer uma pausa. Depois, só ouvir as próximas três e voltar aqui. Até já!]

Moqumentary — “Blood Sugar”, do álbum Spikes

Direto de São Petersburgo na Rússia vem o quarteto Moqumentary, que faz um som entre rock alternativo e eletrônica industrial, mas com um apelo pop surpreendente. Não se deixe enganar pela criatura de aparência agressiva na capa: por mais que o som seja abrasivo e estranho em vários momentos, esse disco é cheio de refrões grudentos e batidas dançantes. Segundo o bandcamp, além da cantora, há um baterista, um baixista e um cara que fica entre guitarra, vocais e “eletrônicos”. Este último elemento tem uma predominância no disco que me sugeriu haver mais de uma pessoa dedicada a ele, mas não é o caso. São sintetizadores borbulhantes, arpegiadores, glitches que parecem prenunciar uma tela azul no seu computador, e outros ruídos que podem ser só guitarras pesadamente processadas. Fora que rola uns gritos de vez em quando, que eu imagino que sejam do mesmo cara dos eletrônicos

Mas foi a maneira como a banda insere esses elementos em composições com formas mais diretas. A faixa “blood Sugar” me pareceu o melhor exemplo disso. Rola muita coisa nesas faixa: gritos, bateria eletrônica estouradona, sintetizadores com uma pegada meio rave, guitarra distorcida, vocais limpos da cantora Darina “Ranadi” Kaytukova, bateria acústica e mais. E embora ela faça vários desvios, ela ainda tem um refão que se repete e fica na cabeça. Nesse aspecto eles me lembraram o Blood Command, banda escandinava que faz algo semelhante, mas com rock pesado. É uma mistureba energética que eu curti bastante. E não dá pra perceber por essa única faixa, mas o disco todo flui de maneira quase ininterrupta de uma música para a outra, de forma que os 30 minutos oferecem pouca oportunidade para prestar atenção em outra coisa.

Tantão e os Fita — “Autorama”, do álbum Piorou

Em fevereiro de 2019 (31 de janeiro pra ser mais preciso) Tantão e os Fita lançaram o excelente Drama, um álbum de música eletrônica frito da melhor maneira possível, no qual as letras de Carlos Antonio Mattos (o Tantão) já falavam de um Brasil pós-apocalíptico (esse texto do Volume Morto destrincha o disco bem melhor). E então, Piorou. Esse é o título do álbum seguinte deles, ainda mais frito, ainda mais atual e impossível de ignorar. O modo de operação do grupo parece não ter mudado muito. Tantão continua berrando versos curiosos e enigmáticos por cima das produções eletrônicas dos Fita (Abel Duarte e Cainã Bomilcar) que engolem de tudo, do gabber ao funk 150, de vozes auto-tunadas até samples de videogame. Mas as duas partes parecem estar de pavio ainda mais curto. As faixas duram menos tempo, os sons são mais abrasivos, a voz do Tantão está ainda mais rasgada e já é mais difícil ouvir o som do grupo de uma perspectiva mais lúdica (se bem que isso é mais culpa da nossa situação atual do que da banda especificamente). Ou seja: mais de tudo que havia de legal naquele álbum.

Por enquanto, Piorou ainda não adubou tantas críticas interessantes e textos sobre si quanto seu antecessor. Mas enquanto eu pesquisava mais sobre o disco, achei no site do grupo um sequenciador que permite que você faça seu próprio remix da faixa-título do álbum. É moh legal de ficar brincando com ele, e ajuda a dar uma ideia do processo nada óbvio de composição das faixas do disco. São vários sons com títulos que dificilmente refletem o que você imagina, incluindo “kicks” e “snares” que parecem vários pedaços da gravaçõe de um acidente de carro, além de diversos samples do Tantão fazendo uma enorme variedade de sons em todos os estados físicos da matéria. Eu tentei fazer uma lá e salvar para compartilhar com vocês, mas não consegui (escaparam por pouco). Mesmo assim, recomendo bastante dar uma fuçada lá, não só porque é divertido, mas também para ver o quanto o trabalho dos caras é incrível. Sim, as frases certeiras do Tantão sobre o mundo esfarelado em que a gente vive são impactantes, mas fora isso, o som do grupo é uma potência com poucos rivais no mundo.

Hari Maia e Projeto Ciberpajé — “Aforismo 2: O Amor É Sempre a Meta”, do EP Máquina Hiper-Real

Mais um som que eu achei no grupo da Sinewave do Facebook, este EP é uma colaboração entre Hari Maia, artista carioca, e o Projeto Ciberpajé de Edgar Franco, e é um lançamento da própria Sinewave. São cinco faixas, e cada uma delas tira seu título do aforismo que aparece nela em algum momento. A categorização que vem à minha mente de primeira é “ambient”, mas isso é meio insuficiente porque há bastante coisa acontecendo aqui. São camadas (não muito numerosas) de sintetizadores de sons analógicos suaves que criam uma atmosfera bem envolventes, e os aforismos servem como uma espécie de ponto focal para a audição / interpretação. Assim, o segundo deles, “O Amor É Sempre a Meta”, me dá uma impressão mais acolhedora e envolvente, ao passo que o último, “A Máquina do Lucro”, já é mais ominoso. Mas nenhum deles é particularmente “ardido” de se ouvir, e eu senti um equilibro primoroso de tensões no disco que faz com que ele se mantenha interessante sem nunca se tornar particularmente ameaçador ou “difícil”.

O texto dos aforismos em si também é interessante. Além do número 2, que eu destaquei na playlist, eu gosto bastante do quarto, “A Criação Genuína”. E fora is sintetizadores rola outros sons também — pelo menos umas guitarras. Mas um aspecto interessante é que não há quase nada em termos de marcação rítmica. Os sons acontecem ao longo do tempo com regularidade, mas não há baterias, batidas ou percussões marcando essa passagem, o que contribui para o aspecto etéreo e aéreo do EP. Uma obra bem redondinha, interessante e gostosa de se ouvir que eu achei que seria boa para fechar a playlist num tom mais tranquilo.

E esse foi o 10 do Mês de Novembro! Foi também o último 10 do Mês de 2020 nesse formato. Espero que você tenha descoberto algo legal por aqui neste ano difícil. Pra mim, foi um prazer fazer essas descobertas com vocês! O próximo, o 10 do Mês de Dezembro, vai sair no começo de janeiro, e vai conter faixas de 2020 inteiro que eu deixei passar. E quem sabe talvez também role um post de discos imperdíveis de 2020 ainda em dezembro, só pra recapitular e dar graças pelas coisas boas que o ano teve.

Até lá, se quiser falar comigo, o melhor lugar é o Twitter. Se curtir a playlist, não deixa de seguir lá, porque sempre rola umas recomendações paralelas de coisas que acabam não entrando. E se quiser falar de algo que já saiu e eu não vi, ou que já saiu e eu preciso ver, é por lá também. Por aqui, deixo vocês com o desejo de ótimas festas e que 2021 não seja só melhor que 2020 (o que não é muito difícil) mas que seja um ano maravilhoso. Beijos!

Quer mais? O 10 do Mês de Outubro tá aqui: https://gsumares.medium.com/10-do-m%C3%AAs-outubro-de-2020-df415d529d73

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Gustavo Sumares

Jornalista, roteirista, editor, revisor. Falo aqui sobre música, especialmente por meio do 10 do Mês!