10 do Mês — Fevereiro de 2020

Gustavo Sumares
9 min readMar 31, 2020

Com (apenas) um mês de atraso, está aqui o 10 do Mês de Fevereiro de 2020! Dez faixas lançadas no mês que você pode ter deixado passar, mas não deveria. Tudo desde eletrônica gótica até psicodelia retrô, passando por uma barulheira brasileira e uma canto-autora canadense.

Pelo que eu acompanhei, fevereiro foi um mês interessante em termos de música. Teve muitos lançamentos estranhos — as coisas que eu mais curti, pelo menos, foram em geral bem “fora do eixo”. Eu não acompanho tanto assim os lançamentos mais comerciais, já que o objetivo do programa é trazer coisas menos conhecidas, mas a impressão que eu tive é que o mês não teve nada de muito estarrecedor nesse sentido.

Pelo contrário: foram artistas mais experimentais e menos conhecidos os responsáveis pelos lançamentos mais envolventes do mês. E, via de regra, eles fugiram bastante das sonoridades mais convencionais. O que não significa que essa playlist seja só doidera; mas sim, tem bastante doidera.

Menções honrosas:

Envy The Fallen Crimson (pós-hardcore japonês);

Kamaiyah Got It Made (rapper de Oakland nos EUA);

Princess Nokia Everything is Beautiful / Everything Sucks (rapper novaiorquina de ascendência portorriquenha que lançou praticamente 2 álbuns inteiros em fevereiro);

Ihsahn Telemark (EP de um dos cantores mais importantes do black metal nórdico com 3 ótimas originais e dois covers);

Antibalas Fu Chronicles (álbum novo de uma das minhas bandas favoritas de Afrobeat, com umas 15 pessoas, de Nova York).

E agora, o 10 do Mês de Fevereiro:

[Dá o play, ouve as duas primeiras e depois leia aqui]:

Kvelertak — “Discord”, do álbum Splid

Puta merda como eu fiquei feliz com esse disco. O Kvelertak é o sexteto norueguês (cujo nome, pelo que eu pesquisei, quer dizer “mata-leão” ou “chave de braço” em norueguês) responsável por um dos meus discos favoritos da vida: a estreia homônima deles de 2010. É um disco de metal arregaçantemente rápido, barulhento e enérgico, com faixas estruturadas de maneira intricada, três guitarras no talo o tempo todo e o vocalista Erlend Hjelvik gritando como se as cuecas estivessem pegando fogo. Eles lançaram outros dois discos depois dele: Meir, de 2013, e Nattesferd, de 2016, mas nenhum deles era tão bom quanto o primeiro. Eles tinham sim umas faixas bem fodas, mas na real eles tinham um ar meio cansado em alguns momentos. A banda enrolava minutos e minutos no mesmo riff sem ir a lugar nenhum às vezes, e a impressão era que eles não tinham mais o mesmo fôlego.

Pois eis que para esse quarto disco a banda trocou de vocalista, e o cara novo (Ivor Nikolaisen) parece ter trazido uma energia nova pro grupo. Dez anos depois, eles entregaram Splid, uma pedrada à altura da estreia deles. Não só o disco (cujo nome significa “Discórdia”) é rápido e agressivo como os melhores momentos da banda como também ele traz uma série de surpresas. Tipo a guitarra de “Tevling” que parece ter saído da “Time After Time” da Cindy Lauper! Ou a estrutura verdadeiramente épica de “Delirium Tremens”. E essa faixa, chamada “Discord” (o que faz dela praticamente a faixa-título do disco), que une tudo de bom que eles têm em menos de 5 minutos. Em quase uma hora de álbum, os caras não param um segundo de arrasar. Um dos meus discos favoritos do ano, sem dúvida.

Câimbra — “Não Vou Me Envolver”, do EP A Memória é Agora

De acordo com a página deles na Sinewave (a atual gravadora do grupo), o/a Câimbra é uma banda paulistana que já tem mais de 10 anos de estrada. São duas guitarras, baixo, bateria e vocal fazendo um som pesado e bem torto, e esse é o terceiro EP da carreira deles. E por mais que todos os músicos façam um ótimo trabalho, com as cordas e a bateria surrando gostoso os tímpanos, foram os vocais que mais me impressionaram. Eles não são como os tradicionais gritos de metal ou de rock, mas também tem uma atonalidade ou um tom meio falado / berrado muito interessante. Eu não cheguei a ler as letras, mas fiquei curioso — não tanto por ter entendido algo (embora dê pra entender), mas mais pela maneira intensa como o Gustavo (meu xará) McNair canta / urra / entoa as palavras. Nesse aspecto, a faixa “Caso perdido” é a mais interessante, mas as 5 do disco são ótimas. “Não Vou Me Envolver” me pareceu ser a que sintetiza melhor as qualidades do grupo.

[Bora lá, escuta mais 3 faixas e, no fim da “Space Samba (Disco Volador Theme)” volta aqui]:

Shopping — “For Your Pleasure”, do álbum All Or Nothing

Essa aqui, quase que eu deixo passar. Quando eu li “trio londrino de pós-punk”, eu pensei :nada demais. Mas depois me atentei aos detalhes: esse nome de banda me pareceu bem inteligente; a banda diz no Spotify que compôs e gravou esse disco em 10 dias; eles têm outros 3 álbuns e menos de 50 mil ouvintes mensais. No fim, achei que valia a pena ouvir e não me decepcionei. Pós-punk da melhor qualidade, com linhas tortuosas de guitarra e baixo, sintetizadores com pegada meio New Order, e a cantora (e guitarrista) Rachel Aggs cantando de uma maneira que lembra demais os clássicos do estilo. Dançante, divertido e ao mesmo tempo meio intrigante e cerebral, é um disco que vale demais ouvir.

Riki — “Napoleon”, do álbum Riki

Dá uma olhada na capa desse disco. Só de fazer isso você já vai entender mais ou menos tudo que tem pra entender sobre ele. Se não, eu ajudo mais um pouco : gótico, eletrônico, algumas faixas com letra em alemão, vocais femininos, algo que você dançaria numa festa gótica open-bar de vinho barato. Eu achava que era o projeto solo de alguma moça chamada Riki, mas segundo a página da gravadora, a artista chamada Riki é na verdade o projeto solo “da misteriosa Niff Nawor, uma artista visual e musicista ativa nas cenas de death-rock / anarcopunk da área da baía da California”. A gravadora não explica como a moça de Los Angeles aprendeu a falar alemão, e apesar da suposta notoriedade dela nessas cenas é difícil encontrar mais sobre ela na internet. Espero que isso mude com esse disco, porque faixas como “Napoleon”, “Böse Lügen” e “Spirit of Love” merecem mais atenção.

The Orielles — Space Samba (Disco Volador Theme), do álbum Disco Volador

Duas moças e dois caras de Halifax, na Inglaterra, formam o Orielles, um grupo que eu fiquei conhecendo agora com o segundo álbum deles. É o que eu chamaria de “chamber pop”: uma música fácil, divertida e melódica com arranjos densos e interessantes. Mas é também mais que isso: o som deles tem algo de psicodelia de fim da década de 60. Talvez seja a voz da cantora Esmé Dee Hand-Halford (irmã, quem sabe, do baterista B Hand-Halford); talvez sejam os sintetizadores analógicos e os vibrafones que pintam em algumas faixas; talvez seja a temática espacial das letras. O fato é que o álbum todo tem uma vibe bem Barbarella, ou então meio Space Channel 5 versão anos 60. É algo incrível que você precisa ouvir pra entender.

[agora vamos até o fim da “Burning Wooden Ship”; depois leia a seguir]:

Cães de Prata — “Páramo”, do EP Fitas P/ O Terceiro Filme

O Cães de Prata é um projeto que tem como líder criativo (pelo que eu entendi deste texto do Hits Perdidos) o músico Mateus Borges — mas que também tem vários convidados. O site descreve a banda como sendo de Maceió, no Alagoas, mas eu não entendi se o próprio Mateus Borges é natural de lá. De qualquer forma, Fitas P/ O Terceiro Filme é o EP de estreia deles, e é um belo trabalho (imagino que esse “p/” seja “para”, mas sei lá, tá assim no título). São seis faixas tranquilas, numa vibe bem canto-autor, focada em voz e violão mas com uma pluralidade de intervenções eletrônicas interessantes. Eu normalmente não curto tanto assim esse som: sinto que as letras e vozes nunca são tão boas quanto o espaço que ocupam. Mas há uma despretensão nesse EP que me agrada bastante; algo nele soa muito sincero e amigável. A faixa “Taipei 1996” é a que melhor ilustra isso pra mim, mas ela tem um minuto e meio só, e eu queria mostrar mais do projeto a vocês. Por isso escolhi a “Páramo”, que é a que tem um dos arranjos mais cheios do disco, mas também um dos climas mais envolventes e interessantes.

Sarah Harmer — “Take Me Out” do álbum Are You Gone

Eu conheci a canadense Sarah Harmer (a música dela, pelo menos) lá pra 2005 quando, após ler uma resenha excelente no Allmusic.com, eu consegui por sorte (e após algumas horas) baixar a faixa “Greeting Card Aisle” do álbum All of Our Names por algum programa de P2P. Se pegar o HD do meu computador e olhar hoje em dia, vai ter uma mancha escura no local onde essa faixa ficou gravada, de tanto que eu ouvi. A voz dela é meio “normal”, mas também tão bonita; as linhas de violão são muito interessantes; a letra era aquela coisa de romance e tal, mas contada de um jeito tão diferente. E só anos depois, com o advento do streaming, eu consegui ouvir o disco inteiro — meu programa de P2P nunca achou as outras.

Eis que 16 anos depois eu tenho a oportunidade de destacar aqui uma faixa do trabalho novo dela. Eu sinto que ela perdeu um pouco do que fazia ela ser tão única na minha cabeça — ou talvez hoje em dia sejam tantas moças fazendo um som nessa grande área que se destacar ficou ainda mais difícil. Mas as letras dela continuam interessantes. E a voz dela continua prosaica, mas tão bonita. E ela até faz umas faixas mais animadas, como essa que eu destaquei aqui. Mesmo nela, no entanto, ela não abre mão de um arranjo denso e de harmonias vocais.

The Heliocentrics — “Burning Wooden Ships”, do álbum Infinity Of Now

Os Heliocentrics são um coletivo loucamente criativo de pessoas de Londres, e não tem nada muito parecido com o som que eles fazem. É uma mistura de funk, jazz estilo Sun Ra, trilhas sonoras e krautrock — mas também lembra um pouco Budos Band (e afrobeat em geral) em alguns momentos. Ah, e tem vocais. Outro jeito de pensar é: imagina um grupo na pegada do Waste of Space Orchestra, mas em vez de metal, jazz e funk. Enfim. Eles já tocaram com gente do calibre de Mulatu Astatke (jazzista etíope), e cada álbum deles é uma viagem diferente. Entre álbuns e trilhas sonoras, esse é o décimo lançamento deles desde 2007 (eles não param quietos por muito tempo). Essa faixa que eu destaquei é uma das mais diretas do disco, mas eu realmente espero que você se dê a oportunidade de viajar com eles pela duração inteira do disco.

[Só falta duas, então é só ouvir elas e voltar aqui para ler sobre]

Against All Logic — “If You Can’t Do It Good, Do It Hard”, do álbum 2017–2019

Este é o segundo álbum que o artista chileno Nicolas Jaar (também integrante do excelente Darkside) lança sob a alcunha de Against All Logic. Por que será, já que o projeto é só ele? E também é o segundo álbum a ter como título um intervalo de tempo (o primeiro sendo o excelente 2012–2017, lançado em 2018). O estilo musical, no entanto, é o mesmo: música eletrônica dançante com sons bem fora do comum e um uso muito criativo de samples — incluindo, na primeira faixa do álbum, a Beyoncé cantando “Baby Boy”. Nessa faixa que eu destaquei, o sample é da artista novaiorquina Lydia Lunch, que é inclusive creditada na faixa. E se “música eletrônica dançante” te remete a um monte de cara bolado sem camisa louco de doce, não tema: esse álbum não tem nada a ver com isso (só o doce um pouco talvez, mas mesmo assim não muito).

Wrekmeister Harmonies — “Coyotes of Central Park”, do álbum We Love to Look at Carnage

O núcleo do Wrekmeister Harmonies são os músicos J.R. Robinson e Esther Shaw (que são as duas pessoas cujas vozes aparecem nesse álbum), em geral acompanhado de muitos convidados. Nesse álbum aparece, por exemplo, o Jamie Stewart, do Xiu Xiu. É estranho, porque o som desse disco (e do anterior deles, aliás) é bem esparso: uma voz profunda no centro de um arranjo muitas vezes sem uma marcação ritmica forte (lembra um pouco o Dead Can Dance nesse sentido). Mas sempre tem uma sensação meio ominosa, uma negatividade latente. E nesse disco essa negatividade explode na faixa final. As faixas são longas (essa que eu selecionei é a que tem a duração mais adequada para a playlist), e de fato o álbum todo flui meio como uma única grande composição. Mas mesmo nos momentos mais tensos, a música nunca chega a ser tão abrasiva assim. Talvez dê pra chamar a música deles de metal, mas não pelo barulho, mais pela intensidade mesmo. Ou talvez pelo envolvimento deles na cena: segundo a Wikipedia, eles são conhecidos por levar bandas de metal a tocar em locais menos convencionais, como o museu Guggenheim e a ponte Golden Gate.

Bom galera, espero que vocês tenham saído dessa leitura / audição com pelo menos um grupo ou artista novo para chamar de seu. Esses foram os 10 lançamentos de fevereiro que eu acho que você não deve deixar passar, e logo menos eu volto com os de março. Se você quiser me dar um alô até lá, o melhor é ir no Twitter (@10domes1) e dar um grito por lá — eu tô sempre ouvindo música mas se você chamar eu escuto. Até daqui a pouco!

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Gustavo Sumares

Jornalista, roteirista, editor, revisor. Falo aqui sobre música, especialmente por meio do 10 do Mês!