10 do Mês — Julho de 2022

Gustavo Sumares
17 min readAug 12, 2022

Escute aqui: https://open.spotify.com/playlist/1BXKQwnqt2GD1MYaWzAIxj?si=38df7ba3b41f45f7

Hoje é sexta-feira dia 12 de agosto e este é o 10 do Mês de Julho de 2022. A seguir você lê sobre 10 artistas diferentes que lançaram música legal no último mês e que eu não vi muita gente discutinho — mas provavelmente você já sabe disso tudo.

Como a playlist de junho atrasou, essa acabou atrasando um pouco também. Isso além do fato de que 29 de julho foi uma sexta-feira, e saiu bastante coisa que eu queria ouvir. Valeu a pena a espera, mesmo que no final das contas quase tudo que entrou nessa playlist era do começo do mês. Mas imagina se eu deixasse passar algo foda porque queria soltar a playlist antes? Jamais me perdoaria.

Assim como no mês passado, eu acabei ouvindo mais música experimental do que o comum. Não que isso seja um problema: eu sempre penso que no dia que o 10 do Mês for uma playlist normal, ele provavelmente vai perder a graça. Mas eu gostaria muito de trazer para vocês 10 faixas divertidas, grudentas, bailantes e alegres — esse tipo de música faz bem às vezes.

Tem algumas faixas assim nessa playlist, mas tem bastante coisa fora da casinha também. E afinal, não quero jamais subestimar a capacidade dos leitores e ouvintes de extrair energia e inspiração das manifestações musicais mais diversas, de lugares como África do Sul, Japão, Indonésia e mais. Se esse é o seu caso, talvez os artistas listados abaixo também te interesem.

Menções honrosas

DÉERR — Punkal: Uma dupla formada pelo produtor alemão AIIOM e o cantor senegalês Baba Sy. Esse primeiro álbum autoral deles é uma música que bebe do punk mas também da música eletrônica, com a presença impactante de Sy nos vocais constantemente. Tipo uma versão eletrônica do Avalanche Kaito que apareceu no mês passado.

Haotian — The Bridge in The Mountain’s Hands (A Travelog): Um disco muito bonito do compositor chinês radicado em Nova Iorque. Música meio folk, meio ambient, muito relaxante e introspectiva. Uma das faixas, “Terrace Fields”, é uma perfeita representação musical da imagem da capa.

Imperial Triumphant — Spirit of Ecstasy: Metal despirocado maximalista com forte influência do black metal nórdico, feito pelo já famoso trio nova-iorquino de máscara. Espere o inesperado e não ouça alto demais para não danificar permanentemente sua audição.

Twen — One Stop Shop: É o segundo disco de uma banda de rock indie meio retrô de Nashville, nos EUA, que inclui “dois malucos que moram em vans” entre seus membros. Lembra um pouco Pretenders, mas também o DIIV e coisas mais recentes. Gostei bastante.

mas agora vamo lá pro

10 do Mês de Julho de 2022

[Eu acho que o elhor jeito de ouvir essa playlist é indo até a metade, pausando, lendo sobre as faixas, depois ouvindo até o fim. Então nos vemos daqui a 5 faixas!]

Blood Command — “A Villain’s Monologue”, do álbum Praise Armageddonism

Nos diversos momentos dos últimos anos em que eu precisava daquela forcinha pra sair da cama, terminar uma tarefa ou começar algo novo, o Blood Command foi uma das bandas que consistentemente me ajudou. O álbum de 2017 do quinteto norueguês, Cult Drugs, é basicamente uma injeção de adrenalina por via auditiva. Isso graças às guitarras distorcidas, às batidas com acentos nos contratempos e à voz solapadora de Karina Ljone, que deixa claro desde a faixa inicial que não está de brincadeira. Dá pra descrever como uma “versão do mal” do Paramore. Eles até lançaram um EP em 2019 (que inclusive emplacou uma faixa no 10 do Mês de Abril), mas andavam meio sumidos. Praise Armageddonism, lançado em 1 de julho, dá fim a esse sumiço com mais da mesma porradaria, talvez até mais refinada.

A maior novidade é que a banda agora tem outra cantora: Nikki Brumen, que antes cantava numa banda chamada Pagan. Te falar a real: eu ouvi o disco e achei que era a mesma pessoa — o que é um baita elogio. Bote pra tocar “Everything You Love Will Burn”, “Nuns, Guns & Cowboys” ou mesmo a abertura auto-intitulada e você ouvirá de Brumen o mesmo tom feroz e selvagem que Ljone entregava, de quem está há 40 minutos tentando cancelar a conta da TIM sem sucesso. A banda não deixa por menos, com o guitarrista Yngwe Andersen pesando na distorção, o baixo podrão arrotando junto, a bateria martelando e até uns tecladinhos meio dançantes pontuando a faixa.

Agora pensando bem, algumas das faixas têm um tom mais suave que não aparecia no disco anterior. Tipo o refrão chicletoso de “Saturday City” ou o belo momento de vulnerabilidade de “I Just Want That Movie Ending”. Não tem balada aqui não, mas essas faixas tem algo que eu chuto que vem do emo na ênfase melódica. Elas dão uma bela temperada na surra ao longo dos 37 minutos das 10 faixas. De forma que quando termina o encerramento “Last Call for Heaven’s Gate”, com quase oito minutos, sobra só o gostinho de quero mais. Ideal pra ouvir correndo na esteira.

Chilli Beans. — “This Way”, do álbum Chilli Beans.

Chilli Beans. (com ponto no final mesmo) é um trio de moças japonesas formadas em 2019. Elas se conheceram, segundo essa wiki de pop japonês, em uma escola de música, e começaram a lançar singles em 2021. Agora em julho de 2022 chegou o lançamento de seu álbum de estreia auto-intitulado (também com ponto no final). Na hora que eu vi a banda, eu lembrei do tricot, que eu adoro, e que também é formado por três moças japonesas, e embora o som dos dois grupos seja bem diferente, as Chilli Beans. também são muito legais.

O som delas tá bem mais pra indie do que o do tricot. Duas outras bandas das quais eu lembrei ouvindo esse disco foram o Franz Ferdinand e o Two Door Cinema Club. A base das músicas é guitarra, baixo e bateria, com holofotes nas melodias vocais, frequentemente harmonizadas nos refrões grudentos. “School”, a abertura, e “lemonade”, a seguinte, já dão o tom. E saca só a linha de baixo de “This Way”, que tem uma levada deliciosa. Os instrumentos são bem tocados e gravados, embora não role nada muito técnico nesse disco tipo o que as moças do tricot fazem. Se bem que tem uma mudança de tom no refrão de “HAPPY END” que pega de surpresa.

E rola outras supresas também: “neck” tem umas melodias bem legais de guitarra distorcida, “アンドロン” (“Andron”, que parece ser uma palavra inventada) é mais fofinha, “L.I.B” (“Life is Business, ou “a vida é negócio”) tem uma levada mais lenta, e “Tremolo” tem até um rapzinho em japonês no meio. É uma variedade bem-vinda porque, com 14 faixas e 46 minutos, o álbum é longuinho. A última, “call my name”, é uma faixa acústica mais bonitinha — muitos discos de pop japonês acabam assim por algum motivo — e eu não curti tanto, mas o resto do disco é tão divertido que eu nem liguei.

Bruno Berle — “Quero Dizer”, do álbum No Reino dos Afetos

No Reino Dos Afetos é o agradável nome do disco novo do cantor e compositor Bruno Berle, de Maceió. Eu achava ser um disco de estreia, mas segundo o Monkeybuzz é o desdobramento mais recente de uma carreira que vem desde pelo menos 2014, quando ele lançou seu primeiro disco solo (que não está no Spotify). O Hits Perdidos também cita outro álbum, Disco de Natal (2019), também ausente do streaming. Ainda assim, esse trabalho curtinho (12 faixas em 28 minutos) traz um frescor e uma empolgação de quem ainda tem muito a dizer.

Eu descreveria o som como um pop MPB lo-fi. Muitas das faixas são centradas em melodias vocais acompanhadas por um violão, ambos gravados (me parece) num esquema sem muita sofisticação que acrescenta calor e intimidade ao som. Frequentemente são acompanhados por batidas simples: em “Quero Dizer” e “Beat 1”, elas são creditadas ao produtor Batata Boy, ou Leonardo Costa Acioli, segundo o G1, que também conta ser ele o produtor de três outras faixas do trabalho.

Ainda de acordo com o site, a abertura “Até Meu Violão” foi escrita pelo compositor João Menezes, “Arraiada” (outra que eu curti muito) tem por letra um poema do português Pedro Ivo (1842–1906) e Jefferson Ferreira De Almeida Junior colabora em “Guardo Em Tuas Mãos”. Eu também curti bastante “Virginia Talk”, um sonzinho lo-fi instrumental em cima de samples de voz que contam uma história. São várias influências diferentes que constroem um disco que começa no que eu descrevi no parágrafo anterior, mas despretensiosamente vai explorando novos territórios. Parte do sucesso dessa exploração vem da voz de Berle, que não faz nenhuma acrobacia vocal, mas tem um tom acolhedor (e de fato afetuoso) que se encaixa muito bem na produção. É um disco que dá uma ensolarada no dia em menos de meia hora.

Monday Michiru — “Hope Pretended to Sleep”, do álbum ENSO

Nascida em 1963 no Japão, filha de uma pianista japonesa com um saxofonista estadunidense, Monday Michiru já tem uma longa carreira com mais de 20 lançamentos. E no entanto eu só fui conhecer essa moça chamada segunda-feira com o lançamento de ENSO. Segundo o site oficial dela, o álbum era um projeto pré-pandêmico de ravar canções com arranjos orquestrais. A covid deu uma brecada no rolê, mas o trabalho depois foi retomado (embora em escala menor) com várias participações, incluindo de um artista brasileiro chamado Lucas Arruda que compôs, produziu e gravou todos os instrumentos em uma das faixas (mas não diz qual).

É um disco de canções de jazz. O foco é nas melodias e na estrutura das canções que Michiru conduz com sua bela voz. Embora as performances instrumentais fiquem em segundo plano, dá pra ver que todos os músicos sabem muito bem o que estão fazendo. A produção também ajuda bastante, dando a cada som um espaço confortável, e alguns instrumentos como o teclado soam particularmente brilhantes. Pega só o comecinho da “Hope Pretended to Sleep” pra ver que daora. A influência das gravações do Michael Jackson com o Quincy Jones é evidente no disco todo, desde a sonoridade até algumas harmonias como em “Rise Above” e na abertura “Ombre of Time”. A produção atual do Jacob Collier também me parece ser uma referência. Aí tem também umas surpresas como a delicada “The Soundless Song” que parece meio canção de princesa da Disney, “Cycles” que traz uma percussão meio afro-cubana e “Ringo Oiwake”, a única cantada em japonês, na qual participa um músico tocador de koto (instrumento de cordas tradicional japonês) chamado Asuka.

O nome do disco, segundo a cantora, tem um duplo significado. Em japonês, é possível escrever “enso” com os caracteres 円相. A palavra nesse caso designa um símbolo zen chamado “Enso” que é um círculo representando o ciclo da vida — embora o símbolo seja um círculo, cada pessoa que o desenha cria algo único. Mas também é possível escrever “enso” com os caracteres 演奏 e nesse caso a palavra significa “performance musical”. “Eu queria fazer um disco que fosse meu próprio ciclo musical, desde que eu comecei estudando flauta clássica até as formas musicais pelas quais fui inspiradas e das quais me apropriei atualmente”, ela diz. Sei lá, eu diria que ela arrasou.

Tumi Mogorosi — “Sometimes I Feel Like a Motherless Child”, do álbum Group Theory: Black Music

Tumi Mogorosi é daqueles gênios que se a gente bobea passa a vida toda sem ouvir falar. O baterista sul-africano continua e eleva o estilo de percussão jazzística de gigantes tipo Elvin Jones e Art Blakey, além de já ter tocado por exemplo com o Shabaka and the Ancestors. No Spotify esse é o segundo disco dele, e segundo o bandcamp é a primeira vez desde 2014 que ele aparece como líder de um projeto. Tomara que a próxima não leve mais oito anos.

As faixas são todas naquele estilão de jazz: uma metaleira tocando melodias com músicos acompanhando e solando. A conversa entre os músicos, tanto quanto a melodia, é o que faz a magia. Mas o que você nota de cara de diferente nesse álbum é um coro. Pois é! Eu achei que era um teclado com som de coro, de tanto que ele aparece e de tão afinado que ele é! Mas são pessoas mesmo e, segundo o bandcamp, o próprio Mogorosi (que começou a se envolver com música em um coro) foi quem arranjou. O nome é uma referência vem de uma citação do autor Amiri Baraka para quem “a nova música negra é isso: encontrar o si [self] e então matá-lo”, e a idea de um coro me parece combinar muito bem com isso (e com o jazz, que também tem muito disso).

É um baita disco. As performances do baixista, do guitarrista e dos cantores que aparecem em destaque são todas espetaculares — sem nem falar do próprio Mogorosi, que não à toa é o nome que aparece no campo “Artista” do Spotify. Mas toda a segunda metade dele, de “Sometimes I Feel Like a Motherless Child” até o fim de “Thaba Bosiu” (“seja feliz à noite” segundo o Google), é um troço de outro mundo. E olha que dá quase meia hora de música. Se o disco fosse só isso tava bom já.

Mas as demais faixas acrescentam muito à audição. A abertura “Wadada” já mostra o estilo frenético e intenso com que Mogorosi toca, e o encerramento “Where Are The Keys?” é uma bela despirocada coletiva de respeito, com uma fala potente de Lesego Rampolokeng por cima. Da segunda vez que aparece (em versão bem diferente), “Sometimes I Feel Like a Motherless Child” também tem os vocais bonitos de Gabi Motuba deixando tudo melhor. Música pra séculos.

[Se quiser fazer uma pausa, esse é o momento ideal. Aí depois você ouve as outras 5 faixas e vem ler sobre elas]

Monelle — “Inhale”, do Ep Breathing Room

A Monelle é uma cantora, compostitora, poeta e produtora sul-africana. Fiquei sabendo desse EP novo dela pela newsletter do New Album Releases, que rotulou o trabalho como “R’n’B”. Ele vem na sequência de dois álbums lançados por ela em 2021 (pelo menos é a data que o Spotify colocou) e, pelo pouco que eu ouvi dos outros lançamentos, ele tem uma pegada mais eletrônica do que as produções anteriores. Mas eu curti muito.

Se você já ouviu algum disco da Kelela, já sabe mais ou menos a grande área sonora que esse trabalho ocupa. São cinco faixas e 14 minutos de beats lentos e envolventes, melodias vocais bonitas e produções eletrônicas de sonoridade pristina. Eu particularmente me convenci por volta dos 20 segundos da abertura “Inhale”, quando entra um daqueles sub-graves de sacudir os miolos quando você escuta no fone de ouvido. “Pause” tem uma batida suingada com acompanhamento de piano com aquele efeito de “vinil empenado” que dá o tom de chill-hop. “Blackout”, a quarta faixa, tem uma base bem tensa, e passa dois terços de sua duração sem uma batida muito presente — uma decisão que torna o final da canção ainda mais impactante.

Segundo o bandcamp, as letras do EP tematizam “isolamento e saúde mental”, e isso me pareceu bem evidente na produção também. A escolha de andamentos lentos, tons menores e arranjos relativamente esparsos ajuda a dar essa impressão. Mas nunca chega a ser algo deprimente ou opressivo. É mais naquela frequência “triste com T” em que também trabalham cantoras como a Tirzah, a Erika de Casier e a já citada Kelela. Por enquanto, as cinco cidades que mais ouvem a música dela são todas na África do Sul, mas quem sabe a gente não muda isso? Esse EP vale a pena.

Bel Medula — “O Sentido é o Olho”, do álbum Abala Ladaia

Fiquei muito positivamente surpreso com esse disco da cantora e produtora gaúcha Bel Medula. Não que eu achasse que fosse ser ruim — eu não conhecia ela, na real, e achei esse álbum (o quarto dela em quatro anos, pelo menos segundo o Spotify) meio que por acaso. E logo de cara eu fiquei impactado.

Eu descreveria a música contida nele como um pop eletrônico com letras bem legais. As batidas em geral são dançantes (em grau maior ou menor) e tem várias melodias memoráveis pelo disco, ainda mais pela maneira como a artista escolhe as palavras. Títulos como “Se a Dor Ensina a Gemer, o Prazer Ensina Melhor” e “O Sampler é uma Máquina de Inventar Tradições” dão a ideia. Eu também gostei bastante de letras como as de “O Sentido é o Olho” (uma música sobre paralaxe) e “Eram os Deuses Celebridades”.

O acompanhamento dessas letras é uma sonoridade eletrônica bem característica. Em alguns momentos ela tem uma simplicidade nos timbres que remete um pouco ao Kraftwerk ou mesmo a algo que você ouviria em um programa da TV Cultura no começo da década de 90. Isso não é nada pejorativo, e a sequência “Corpo com Corpo” / “Te Dizer” mostra como esse som tem poder. Outras faixas, como a abertura (e faixa-título) e “Afiador” soam um pouco mais “modernas” na manipulação de sons. Elas não são melhores por isso, mas são boas também. Mas o resultado é melhor que a soma que tudo isso que eu falei. Abala Ladaia é um disco cheio de personalidade e faixas divertidas.

Binary Algorithms — “X-Ploration”, do EP Neo-Tunja

Binary Algorithms é o nome artístico do produtor colombiano Andrés Ávila, que também é fundador de um selo chamado Furatena. Na sua bio do Spotify, Ávila é descrito como DJ, produtor e parte de um movimento mestizofuturista da América Latina. O EP Neo-Tunja é o primeiro lançamento mais longo dele a aparecer no serviço de streaming, e seu nome, pelo que eu entendi, faz referência a uma versão futurista da cidade de Tunja, na Colômbia, onde ele vive.

No bandcamp, ele descreve esse trabalho como uma resistência contra “produtores e DJs que não entendem, ou não querem entender, as raízes do fenômeno mundial de dança que surgiu há quatro décadas — gerado majoritariamente por pessoas não-brancas nas cidades”. O EP seria tipo uma trilha sonora para a cidade dele no ano 2499, quando ela, submersa, é habitada por seres utópicos, híbridos de humanos e máquinas, que pretendem criar pontes telepáticas para as mentes dos humanos remanescentes que foram lavadas por comportamentos capitalistas selvagens.

A tradução disso em sons é mais simples do que pode parecer. É um techno instrumental feito com sintetizadores e baterias eletrônicas, com batidas dançantes e um aspecto um pouco sombrio e opressivo graças ao uso de modos menores nas harmonias e linhas de baixo. Após a misteriosa introdução “Walkthrough”, de quase três minutos, “Metrópolis Hundida” dá o tom com uma linha de baixo insistente, vários detalhes pipocando em estéreo e uma batida retona com hi-hats sincopados. “Repercusiones” e “X-Ploration” seguem essa mesma base, acrescentando alguns timbres que remetem à virada dos anos 90 pra 2000, estilo a trilha sonora do jogo WipeOut. A primeira dessas ainda brinca com uns samples de voz, ao passo que a segunda tem um bate-estaca bem marcado. Se você quiser uns 20 minutos de música eletrônica empolgante (com umas brisas futuristas no meio), esse EP é das melhores coisas que você vai achar em julho.

Guizado — “Brain Dance”, do álbum Stáretz

Stáretz é o sexto álbum do trompetista paulistano Gulherme Mendonça sob a alcunha de Guizado. Mas ele não está sozinho aqui: ele conta em um post do seu Instagram que o disco tem participações do Maurício Takara (a bateria da abertura “Agora Vai”), do Junix (guitarra em “Manto de Estrelas”) e do Maurício Tagliari (cavaquinho no encerramento “Zaburêra”). Se você já reconheceu algum nome desses, já sabe o que esperar: música experimental com sonoridades eletrônicas, provavelmente instrumental, certamente interessante. E é bem isso mesmo.

O nome “Stáretz”, pelo que eu li, designa um líder espiritual da igreja ortodoxa russa. E há de fato algo bem transcedental em faixas como “Noite”, com sua batida eletrônica picotada, e “Pode Ser Que Tudo Bem”, de base mais suave, ambas com as explorações de som do trompetista em seu centro. Mas me pareceu ser um “transcedental” mais no sentido sci-fi da coisa do que no sentido religioso. O melhor exemplo disso é “Brain Dance”, que eu acho que tira seu nome do universo Cyberpunk, e designa a gravação digital de uma memória que pode ser vivenciada integralmente por outra pessoa. A música, com seu ritmo mega quebrado e melodia de trompete fragmentada, de fato parece a lembrança de um sonho, e foi a que mais me impressionou no disco.

É um trabalho bem aventuroso, mas também tem momentos bem bonitos. O começo da “Manto de Estrelas” e o miolo de ‘Pode Ser Que Tudo Bem” me trouxeram à mente algumas faixas mais antigas do Portico Quartet. Ao mesmo tempo, é um som absolutamente sui generis de um artista com estilo próprio e ideias de sobra.

Kekal — “Conduit of Light”, do álbum Envisaged

Uns anos atrás, um hobby que eu tinha era vasculhar a internet atrás do metal mais esquisito possível, e uma newsletter do New Album Releases que destacou o Kekal me trouxe esse período à memória. Trata-se de uma banda da Indonésia formada em 1995 e que, a essa altura (segundo a Wikipedia) já não tem membros oficiais, só vários ex-membros que fazem contribuições. Eu não entendi se isso significa que o grupo funciona meio como um coletivo em que várias pessoas revezam, ou se os membros antigos “passaram o ponto” pra outras pessoas. mas a descrição de Envisaged no bandcamp, o 13º álbum dessa galera, me fez querer ouvir mesmo assim. O disco (diz lá) “foi criado especificamente para celebrar O Grande Despertar da humanidade e a Ascenção da Terra para a oitava mais alta de frequência vibracional”.

Em termos musicais, o disco mistura umas guitarras distorcidas e vocais gritados com várias outras coisas. Passagens mais silenciosas, sintetizadores meio dançantes, musicalidade meio jazz… tudo com uma produção meio estilo “microfone pendurado no teto da garagem”. Na metade da “Anthropos Rising” (a primeira faixa) já entra uma pancadaria podrona que dá o tom. Mas ela é seguida por momentos mais calmos, com melodias vocais interessantes, e até por momentos bem silenciosos, como a misteriosa faixa instrumental “The Alchemy of Creation”. Só fica mais doidão. “Conduit of Light” começa a pesar mais no lado eletrônico, com batidas eletrônicas e sintetizadores estranhos, num ritmo meio techno-samba que vira uma batida mais retona com um solinho de guitarra no final. “Anarchy in the New Earth” começa com bateria pesadona e guitarra distorcida acompanhadas de cordas dissonantes e de um sintetizador de baixo, mas depois vira uma canção meio new wave.

Eu cheguei nesse disco esperando o inesperado, e mesmo assim me surpreendi. Especialmente porque eu achei que seria uma barulheira infernal e, no entanto, tem partes calmas e bonitas nesse disco para as quais eu não estava preparado. Eu não acho que a humanidade esteja de fato em qualquer processo de ascenção ou despertar, mas preciso admitir que esse álbum é um argumento convincente no sentido de que há coisas novas surgindo sempre.

E esse foi o 10 do Mês de Julho de 2022. Já sabe: curtiu o artista? Apoie! Tá sem grana? (e quem não está?) Também vale curtir, compartilhar e comentar as coisas que o artista divulga nas redes. Quer recomendar algo para que eu ouça? Chama no Twitter!

Espero não demorar tanto pra postar o 10 do Mês de Agosto (mas vai saber né), então até breve! Música, água, máscara, vacina, álcool e consciência de classe pra vocês até lá!

Quer mais? O 10 do Mês de Junho está aqui, e o de Maio está aqui. Ou você pode ver todos clicando aqui.

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Gustavo Sumares

Jornalista, roteirista, editor, revisor. Falo aqui sobre música, especialmente por meio do 10 do Mês!