10 do Mês — Março de 2021

Gustavo Sumares
17 min readApr 10, 2021

Escute aqui: https://open.spotify.com/playlist/1FnByPXGy9lDKzkPwLTS6I?si=6f638bcb92d34b29

Acho que pela primeira vez na história, um 10 do Mês é lançado no dia 10 de um mês. É o 10 do Mês de Março de 2021 que chega (finalmente) no dia 10 de abril desse ano. E em apenas um parágrafo ja foram quatro vezes que eu escrevi o número 10 — agora cinco. E em breve seis, já que são 10 as músicas fodas lançadas em março que você ouve na playlist acima e lê sobre abaixo.

Março acabou sendo um mês cheio de acontecimentos relevantes para o 10 do Mês. Mais especificamente, meu computador ficou sem som por um tempo, e logo que eu consegui resolver, o Spotify atualizou para mim e deu uns problemas de login. Como resultado, eu cheguei a abril com a impressão de ter ouvido menos música do que nos meses anteriores. Mas olhando a folha em que eu anoto as coisas que escuto, percebi que não foi bem o caso.

Outra impressão que eu tive, e que me parece fazer mais sentido, é que tendo menos tempo para ouvir música, eu acabei sendo um pouco menos aventuroso. Devo ter ouvido uns 2 ou 3 discos de metal ao longo de março, e pouca coisa mais experimental em termos de música eletrônica. Isso se reflete na playlist: não é que ela esteja um disco das Spice Girls, mas acho que é uma das menos “desafiadoras” que eu já fiz.

Mesmo assim, você vai ouvir a seguir ritmos do norte e sudoeste da África, compositores paulistas, pop-punk espanhol e neo-soul da Austrália, entre outros sons legais. E se quiser ouvir outras coisas legais, tem também essas sugestões aqui da imagem abaixo:

Menções honrosas:

Aoiii — Kuningan: é o segundo disco que tem no Spotify na conta do produtor argentino Agustin Oscar Rissotti. Um trabalho bem redondinho de chill-hop e downtempo, com uns timbres bem diferentões surgindo cá e lá.

The Lodger — Cul-de-Sac of Love: O primeiro disco em 10 anos dess trio inglês de indie. Eles são nota 10 em termos de composição: cada refrão é grudento, cada nota é essencial, e os três sabem tocar bem. Merece bem mais que os 1.900 ouvintes mensais que atualmente tem no Spotify.

Hedvig Mollestad Trio — Ding Dong. You’re Dead.: segundo disco do trio liderado pela guitarrista norueguesa. Rock instrumental improvisado com variados graus de peso, velocidade e agressividade. A qualidade, excelente, não varia muito.

Regional Justice Center — Crime and Punishment: hardcore barulhentão antifacista, 10 faixas em 13 minutos. Tem como ser ruim? Tem, mas o primeiro álbum do projeto de Seattle não é. Belo e moral.

Tudo isso posto, prossigamos então para o

10 do Mês de Março de 2021

[a ideia dessa playlist é ser dividida na metade: cinco faixas, pausa, outras cinco. então pode dar play, ouvir as cinco primeiras e voltar aqui]

Guedra Guedra — “People’s Cabaret”, do álbum Vexillology

Uau, esse é um disco difícil de descrever. Começando pelo mais objetivo: Vexillology é o álbum de estreia do produtor Abdellah M. Hassak sob a alcunha de Guedra Guedra. Essa alcunha, segundo o Pan-African Music, se refere “tanto a dança das mulheres nômades do deserto e, ao mesmo tempo, a uma panela usada para cozinhar, e também usada como percussão”. O disco foi criado a partir do estúdio do produtor na cidade de Casablanca, no Marrocos, e sucede um EP de 2020 chamado Son of Sun no qual Hassak já ensaiava um som muito louco que mistura diversos ritmos do norte e leste africano. Mas nesse primeiro álbum (cujo nome, traduzido como “vexilologia”, quer dizer “o estudo das bandeiras”), ele leva essa ideia às últimas consequências e cria um trabalho extremamente envolvente, divertido e dançante de música africana.

Não sou capaz de dizer quanto do som é fiel de fato aos ritmos africanos. O que eu posso dizer é que tem vários discos de música eletrônica que usam batidas bem retonas e colocam uns samples de cantos populares de países africanos para dar um perfume diferente a um estilo bem comum. Não é o caso aqui: Hassak cria suas faixas em torno de andamentos e células rítmicas bem diferentes do comum. Elas lembram um pouco kuduro (do qual eu sei falar um pouco depois de ler Também os Brancos Sabem Dançar e ouvir os sons citados) e até funk 150bpm em alguns casos. Mas fora esses ritmos envolventes, há camadas e mais camadas de sons interessantes, melodias e samples vocais repetitivos (como um cara que parece dizer “goza” várias vezes na faixa “Aura”). É um disco que, do começo ao fim, promove uma viagem muito doida que vale a pena curtir de cabo a rabo. Na impossibilidade de colocar o álbum inteiro aqui, por mais que ele merecesse, deixo só a faixa “People’s Cabaret”, que tem 100% das coisas legais que eu mencionei nesse parágrafo.

IKOQWE — “Makumba”, do álbum The Beginning, The Medium, The End and The Infinite

Foi inusitadamente pelo Guardian que eu descobri este disco. O IKOQWE, segundo o site português Observador, é um projeto de dois artistas: Pedro Coquenão, também conhecido como Batida (e, neste projeto, sob a alcunha de Coqwe) e Luaty Beirão, de nome artístico Ikonoklasta (que aqui também se chama Iko). O primeiro é um músico nascido na Angola e criado em Lisboa; o segundo, um “rapper angolano que se tornou num icónico ativista”, segundo o site português. Lamentavelmente eu não conhecia o trabalho de nenhum dos dois, mas felizmente eu descobri esse trabalho maravilhoso e agora tenho muito a explorar. Do som do IKOQWE, posso dizer que tem influências de house, hip-hop e música eletrônica mais experimental. Posso dizer também que ele tem uma veia rítmica trovejante e inescapável, que eu não sei descrever com mais precisão. E que as produções fazem os graves bater forte, destacam alguns sons interessantes e criam uma viagem envolvente de meia hora por paisagens rítmicas que eu não conhecia — mas que agora acho que todo mundo deve conhecer.

O bandcamp conta que o disco tem canções cantadas em gíria angolana, umbundu, português e inglês, sobre “neocolonialismo, desigualdades e falsificações históricas, sons de rádio, soluções utópicas e mais”. E no Spotify, na página Sobre, eles contam a história por trás do disco: criaturas de um espaçotempo distante (essas que aparecem retratadas na capa) se queimaram física e mentalmente ao ter contato com a nossa normalidade, e desde então ficaram num estado entre seguir rumo ao infinito ou voltar a um ponto de restauração (tipo quando o PC dá pau). E de fato, dá pra pescar uma narratividade entre as faixas. Aliás, cada um dos termos que aparecem no título do disco tem uma faixa dedicada a si (e a The Medium tem até uma explanação sobre as ideias do Marshall McLuhan). Mas tudo isso é secundário frente à sonoridade intergalática e transdimensional que a dupla constrói. Se qualquer parte dessa descrição te interessou, tenho certeza de que você vai curtir esse trabalho, que encontra paralelos com artistas como o BaianaSystem, o Ibibio Sound Machine e o Konono nº1. Essa faixa, “Vai de C@n@!”, é só um curto aperitivo: o disco tem muito mais a oferecer.

Izy — “Smile”, do álbum Irene

O Izy — pronunciado áizi, segundo o bancamp — é um trio de neo-soul do norte tropical da Austrália. É um lugar que me parece muito interessante, estando num país relativamente aberto a estrangeiros, próximo do sudeste asiático e valorizando (tanto quanto o capitalismo permite) os povos aborígenes que ainda existem por lá (ou pelo menos seus descendentes). E de fato, os membros da banda tem pais japoneses (o guitarrista), chilenos (o baterista) e aborígenes (o baixista). O nome do disco de estreia, Irene, é uma homenagem à avó do guitarrista. E o som do trio é exatamente aquilo que eles dizem ser: neo-soul. Música com batidas suingadas, melodias vocais e harmonias interessantes. A comparação que me vêm à mente primeiro é o Hiatus Kaiyote, mas… é tipo uma versão miniatura. Não no sentido de ser pior (se bem que eu acho que o Hiatus Kaiyote é tipo a melhor banda existente no mundo), mas no sentido de ser mais simples e direto mesmo, com menos sons, faixas mais curtas e incorporando menos influências diferentes.

Os arranjos das faixas quase nunca tem nada além de bateria, guitarra, baixo e voz. E é muito impressionante quantas ideias legais o trio consegue gerar sem acrescentar nada além desses sons. Os timbres nunca mudam muito, mas como os três tocam muito bem, não fica cansativo ouví-los: na maior parte do tempo, cada um dos integrantes toca algo que seria legal de ouvir isoladamente. Os três membros cantam, e as vozes são sempre gostosas de ouvir também. “Out the Door” e a faixa-título são boas amostras dos vocais, ao passo que “Frantic” e “Not So Tall” deixam claro que cada um sabe muito bem o que fazer com o instrumento que toca. Mas o gingado jazzístico da “Smile” fez dela a faixa que mais me marcou. Qualquer uma delas, porém, é capaz de te transportar para uma praia bonita do outro lado do mundo.

Jadsa — “Olho de Vidro”, do álbum Olho de Vidro

Olho de Vidro é o primeiro álbum cheio da cantora, compositora, guitarrista e produtora baiana Jadsa. O som dela é difícil de definir. O que sempre fica evidente é uma disposição para experimentar com vários parâmetros de composição: letras, ritmo, melodia, arranjo, etc. E há sempre, me parece, uma tentativa de fugir de formas tradicionais de canções que giram em torno de refrões. Nesse sentido, lembra um pouco o Metá Metá — chegam a resultados diferentes, mas por procedimentos que me parecem parecidos. Mas de acordo com esta página, o elo comum aos dois é Itamar Assumpção, que é até citado em uma das faixas do álbum. De fato, assim como em Itamar, há aqui uma certa despreocupação com gêneros ou formas tradicionais: as composições meio que vão indo, seguindo seus próprios caminhos, muitos dos quais vão dar em lugares bem inusitados.

E são longos caminhos: o disco tem 14 faixas e 46 minutos, o que me parece grande, ainda mais para um trabalho de estreia. Mas ele segue trazendo surpresas até o final. E também conta com participações especiais muito notáveis. Ana Frango Elétrico empresta sua voz, reconhecível mesmo só cantando lalalá, à quarta faixa, “Raio de Sol” (na qual Kiko Dinucci também toca). A violonista Josyara toca e canta em “Run, Baby”, a décima primeira composição, e Luiza Lian aparece na de número 13 — que se chama “Lian” não por coinciência. Cada uma delas é um pequeno destaque ao longo do disco, e nenhuma delas faria feio representando o álbum na playlist desse mês. Mas eu achei que valia a pena quebrar uma regra auto-imposta e destacar aqui a faixa-título, “Olho de Vidro”, que não tem convidados mas transborda de ideias, com um ritmo bem diferentão, muitas percussões, uma linha repetitiva de baixo e guitarra e a citação de Itamar Assumpção que eu comentei.

Dramón — “Ecos do Vazio”, do álbum Áspero

O nome Dramón me remete imediatamente a dramin, o remédio contra enjôo que também pode ser usado para dar sono (ou pelo menos leseira) em viagens de ônibus. E essa referência faz sentido (ao menos para mim) diante do som onírico, lento e envolvente que o produtor Renan Vasconcelos mostra aqui. Áspero é o primeiro álbum cheio do projeto, após uma sequência de EPs e singles que vem desde 2018 — os primeiros dos quais foram lançados pela Sinewave. Segundo a gravadora, aliás, o Dramón nasceu após o músico e designer trocar a metrópole fluminense por Búzios, onde viveu por seis anos e meio. Os primeiros EPs surgiram no fim dessa espécie de período sabático, e atualmente ele vive em São Paulo (segundo o bandcamp, pelo menos). O som do projeto dialoga, na minha percepção, com várias vertentes de música eletrônica e acústica, tipo ambient, downtempo e doom-jazz: se você se interessa por um Tycho ou Bohren und der Club of Gore, vale dar uma ouvida.

Como alguém que vive e viveu em São Paulo praticamente a vida inteira, me identifico bastante com a vontade de largar tudo e ir morar na praia e fazer música. O som do Dramón também fez muito sentido com essa história: as faixas, de marcação rítmica majoritariamente suave e andamentos lentos, progridem num ritmo tranquilo. Os arranjos deixam bastante espaço para cada nota e cada som: camadas de sintetizadores suaves, linhas de baixo repetitivas, guitarras limpas e uma ou outra voz. Esse aspecto tranquilo é o que me remete à praia, mas é só um lado da moeda. Faixas como “Vencer o Sol” e “Áspero” trazem algumas dissonâncias e percussões reverberantes que dão um tom mais industrial, urbano e opressivo ao trabalho. Nunca chega a ser nada muito pesado, e eu achei bem impressionante a maneira como o compositor consegue andar nessa linha tênue entre o relaxante e o tenso, pendendo ora para um lado, ora para o outro. É um álbum curto, de 27 minutos e 8 faixas, mas que não desperdiça um segundo.

[já foram cinco faixas. Se quiser pausar pra ler ou fazer outra coisa, agora é a hora. Depois, volta aqui, ouve o resto e então conversamos]

Axolotes Mexicanos — “Verano En Espiral”, do álbum :3

Essa é uma das bandas que já apareceram no 10 do Mês, mas lá em 2019, quando esse texto era um áudio e ficava na contra.fm — agora não lembro em qual mês que foi. Mas naquele ano eu ouvi Salu2 o segundo disco dos Axolotes Mexicanos, quinteto da região das Astúrias, na Espanha, e curti muito. É um pop cantado em espanhol que gravita em torno de punk-pop mas faz um monte de desvios malucos por J-Pop, chiptune e outros estilos, e sempre com letras engraçadas (que dá pra entender na base do portunhol mesmo) da cantora Olaya (cujo irmão gêmeo, Juan, também faz parte da banda). Lançado agora em março, :3 é outro disco deles que tem por título um trocadilho com número, sugerindo que não mudou muita coisa no grupo quanto à atitude de composição. E de fato, ouvindo o disco, dá pra perceber que a banda segue no mesmo estilo apesar da catástrofe que o mundo virou desde ano passado.

Na real, se houve alguma mudança, é que o grupo parece um pouco mais feliz do que no disco anterior. Em Salu2, as letras muitas vezes eram sobre ansiedades e chatices da vida jovem-adulta urbana: ser julgada na fila da farmácia ao comprar pílula do dia seguinte, esperar gente que lê mensagem e não responde, se apaixonar pelo cara da banca que vende cigarros, etc. Aqui as letras continuam interessantes, mas têm um tom geral mais positivo, como as fofas “Vergüenza” e “Cuando_estoy_contigo.mp3”. Mas também bastante raiva direcionada a si e a outros, como em “Cara de Idiota” e na “Opening”. E a banda continua ancorada no pop-punk e explorando vários estilos, como na surpreendentemente ruidosa “Que Te Pires” e na acústica “Gotelé”. “Verano En Espiral”, que aparece na playlist, é tipo o meio-de-campo para eles, mas tem bastante coisa além disso no disco.

Revirado à Brasileira — “Louca por Dentro”, do EP Revirado à Brasileira

Essa aqui eu não lembro direito onde foi que encontrei. Sinto que alguém no grupo da Sinewave do Facebook compartilhou o link quando o EP foi lançado, mas não tenho certeza. Eu sei que eu gostei bastante da descrição simples e direta que o grupo colocou na página do Spotify: “O projeto Revirado à Brasileira nasceu com o propósito de resgatar e lançar, sob novos arranjos, obras de compositores atuantes em Franco da Rocha”. De cabeça eu não lembro de nenhum compositor de lá, então sabia que descobriria coisas novas. E por algum motivo, o nome do conjunto me levou a esperar algo na linha da vanguarda paulistana dos anos 80, Premeditando o Breque, etc. Mas o som na verdade é bem mais… normal? São faixas com melodias vocais e letras em destaque, mais violão, baixo e bateria acompanhando, e estruturadas de maneira pop mais tradicional. Talvez seja um dos grupos de sonoridade mais menos estranha a aparecer aqui no 10 do Mês, mas as cinco faixas desse EP são todas muito bem compostas, arranjadas, tocadas e gravadas.

Além das páginas do Facebook e do Instagram do grupo, há também uma entrevista bem legal com a banda (que é composta por pelo menos 5 pessoas, além dos compositores). Nela, eles comentam que o projeto foi viabilizado pela lei Aldir Blanc, que o primeiro single foi ensaiado e gravado em 2 dias (eu jamais imaginaria) e que eles têm outras músicas ensaiadas além das que apareceram no EP. No fim da entrevista também tem um clipe de outra faixa do trabalho, “Revolução”. As minhas favoritas foram “Anos-luz”, que tem uma letra legal focada em várias comparações engraçadas, e especialmente “Louca por Dentro”. Não sei descrever ela de um jeito que pareça super interessante; diria só que é uma canção muito redondinha, com letra interessante e refrão marcante, com rimas internas e uma harmonização de vozes muito legal. E apesar das limitações técnicas / de tempo que a banda cita na entrevista, eu achei que, sonoramente, o trabalho todo soa bem. Fiquei muito feliz de conhecer a obra desses compositores de Franco da Rocha, e me perguntando quantos compositores maravilhosos moram perto de mim e eu não conheço.

Angel Wei — “Nobody Calls Me When I’m Lonely”, do álbum A Year of Mourning

Vira e mexe a newsletter do nealbumreleases.net traz uns discos que eu acho que foi o próprio artista que vazou. Digo isso porque quando eu fui procurar informações sobre o Angel Wei, eu achei praticamente nada. Ao menos a gravadora alemã colocou o disco no bandcamp e o artista linkou o próprio perfil do Instagram. Mas fora isso o Google também achou para mim o “site oficial” dele, que é um puro suco de internet 1.0 e que foi o que finalmente me empolgou a ouvir o que ele tinha lançado. Foi uma boa decisão: o álbum, de menos de 20 minutos, é um trabalho legal de vaporwave e chill-hop. Tem muito auto-tune e muitos samples, mas que não cai na ironia blasé que muitas vezes permeia esses estilos e traz algumas composições bem tocantes. “Nobody Calls Me When I’m Lonely” é a principal delas, mas “Evangelion” e “Closing All Tabs” também merecem destaque.

Sobre o artista, porém, eu tenho pouco a dizer. O que eu consegui aprender sobre ele foi basicamente stalkeando o perfil, e portanto tem aquela incerteza comum a toda informação obtida dessa maneira. Mas enfim: é um cara de ascendência chinesa que atualmente vive na Dinamarca e que passou, de fato, um ano de luto (o título do disco) por algum motivo. Eu chutaria que foi um ano de pandemia, mas sei lá, motivos para luto têm sido abundantes no último ano. Esse é o primeiro álbum dele, mas ele também já compôs música para uma exposição ou performance. As letras falam basicamente de tristeza/desamparo millenial: ficar nas redes sociais até querer morrer, passar muito tempo em isolamento, possivelmente deprimido (a referência ao Evangelion não é em vão). O interessante é que o disco não é pesado ou tenso. Pelo contrário: apesar dos temas tristes, a música tem um aspecto positivo e acolhedor.

Leanne Betasamosake Simpson — “OK Indicts”, do álbum Theory of Ice

O que primeiro me chamou a atenção nesse disco, que eu achei na newsletter do newalbumreleases.net, foi o sobrenome da artista — não o Simpson. Combinações de letras diferentes das que a gente está acostumado a ver costumam ser portais para novas ideias, eu penso. E de fato eu descobri muita coisa pesquisando sobre ela. Leanne Betasamosake Simpson é do povo Mississauga Nishnaabeg, um dos povos originários do Canadá. Mais que isso, ela é autora de diversos livros sobre questões indígenas do país, além de detentora de um PhD pela Universidade de Manitoba e professora universitária. Theory of Ice é o segundo disco dela, e segundo o bandcamp foi um trabalho que se originou primeiro como poemas, que depois foram musicados com a ajuda de colaboradores que tocam guitarra, violão, baixo, bateria e sintetizadores, além de cantar.

Por mais que essa história de origem do disco seja um pouco diferente, a música soa bastante familiar e convidativa. Leanne canta num volume relativamente baixo, com uma voz tranquila, e os arranjos em torno de sua voz também não ficam muito altos. Violões, guitarras e teclados suaves formam a base instrumental que a acompanha na maior parte do tempo, aém de batidas leves em andamentos calmos. “Frio” e “gelo” parecem ser temas recorrentes nas letras: “Failure of Melting” é uma música meio folk com uma letra que descreve um dia nos campos gelados, e duas das faixas do disco têm por título propriedades da água: “Viscosity” e “Surface Tension”. “I Pity the Country”, por sua vez, é uma canção tradicional de resistência dos povos originais. Eu tentei achar a letra de “OK Indicts”, a faixa do álbum que mais me chamou atenção, mas não consegui; o mais perto que cheguei foi esta página, que diz que a canção foi inspirada pelo assassinato da geleira OK na Islândia. “Foi escrita a partir da perspectiva das geleiras, permafrost, lagos congelados e neve em meio ao caos climático”, ela disse ao site. Saber disso fez a canção se tornar ainda mais impactante.

Kaleema — “La Marea”, do álbum Útera

A cantora e produtora de Buenos Aires, Heidi Lewandowski, trabalhando sob a alcunha de Kaleema, lançou em março de 2021 o seu segundo disco, chamado Útera. É um álbum de música eletrônica com influência marcada de ritmos argentinos. Ouvir o álbum é uma experiência muito doida: por um lado, ele tem batidas dançantes comparáveis às que você encontraria num disco da La Yegros, por exemplo. Por outro lado, em cima dessas batidas, o que surgem são sons eletrônicos bem mais sutis e etéreos. Várias faixas, especialmente as que não têm voz (como “Rama Negra” e “Púrpura”), vão por um caminho bem relaxante, que me lembrou o Global Communications em alguns momentos, e em outro tem um estilo meio new age, graças à presença de instrumentos tradicionais. Essa mistura me parece bem mais legal do que se o álbum se decidisse por um dos lados, ainda que ele oscile entre esses dois pólos ao longo de seus 38 minutos e 10 faixas.

De acordo com o bandcamp, esse som difere bastante do que ela mostrou em seu primeiro disco, Nómada, de 2017 (eu não ouvi ainda, então vou confiar neles por enquanto). Já tem alguns sites falando sobre o disco, incluindo o Brooklyn Vegan, e eles destacaram a faixa “Ololiuqui”, que tem um clipe, e cujo nome é a palavra nahuatl para a flor que a gente chama de “Glória da Manhã” ou “Corda de Viola”. Mas me pareceu mais legal destacar “La Marea”: essa faixa traz tudo que esse disco tem de legal. É mais um indício da força e criatividade da música eletrônica latinoamericana produzida por mulheres — como Lido Pimienta e Lila Tirando a Violeta, outras produtoras que já deram as caras por aqui (em abril e agosto de 2020 respectivamente).

E esse foi o 10 do Mês de março de 2021! Eu descobri muitas coisas (musicais e além) fazendo ele, e espero que ele tenha te trazido algo de novo também. Ainda temos vários dias cagados pela frente, mas ainda tem também bastante música legal para sair e ser ouvida, e em abril chega outro desses.

Se até lá você quiser papear, o melhor lugar é o Twitter. Pra contar do que vai sair ou do que já saiu e deveria ter estado aqui, lá é o lugar. Caso não tenha nada a dizer, tudo bem! Por favor cuide-se, cuide de quem você gosta e faça o que for possível para combater o genocídio onde você estiver.

Quer mais? O 10 do mês de Fevereiro está aqui, e se você quiser ainda mais, tem também o 10 do Mês de Janeiro e a minha lista de discos imperdíves do ano passado!

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Gustavo Sumares

Jornalista, roteirista, editor, revisor. Falo aqui sobre música, especialmente por meio do 10 do Mês!