10 do Mês — Setembro de 2022

Gustavo Sumares
10 min readOct 13, 2022

Escute aqui: https://open.spotify.com/playlist/0tBHAZ5i6QIR4Blo4A4KmB?si=f5f7f1ca69db4805

É com orgulho e felicidade que apresentamos neste dia 13-confirma o 10 do Mês de Setembro de 2022. Precisa falar mais? 10 artistas que lançaram discos fodas no mês passado. 10 faixas fodas desses discos. Uma playlist daora. É isso aí.

Ficou pequeno pra setembro. Eu passei metade do mês de férias, e durante essas férias o computador que eu uso para ouvir música e escrever isso aqui deu problema (de novo). Quando eu vi era outubro, eu voltei a trabalhar e mal tinha começado isso aqui. Tinha ouvido bastante música, mas anotado quase nada. Tornou-se evidente então que esse 10 do Mês seria curtinho ou não seria.

Pena, aliás, porque setembro foi um baita mês de lançamentos. No mundo todo. Tem coisas incríveis de Hong Kong, Madagascar, Itália e mais nessa playlist. Mas o Brasilzão arrasou novamente e emplacou metade da playlist. Fazer o que, nossa música é boa mesmo. Motivo pra ter orgulho a gente sempre tem, e espero que mês que vem tenha mais ainda.

Menções honrosas

Alphaxone — The Infinite Void: é um disco de ambient absolutamente sinistro do produtor iraniano Mehdi Saleh, que soa como ficar perdido no espaço, ir parar em outra galáxia e ouvir os sons do vácuo e das radiocomunicações de outras espécies

Cigana — Estrago: Essa banda Limeira estrou em 2019 com Todos os Nós, um dos meus discos favoritos daquele ano, e lançou um EP curtinho mas excelente agora em setembro.

Revocation — Netherheaven: metalzão rápido, técnico e gritado da mais alta qualidade. 45 deliciosos minutos de caos controlado, riffs pesados e solos de guitarra.

Agora chega que se não isso não sai nunca

10 do Mês de Setembro de 2022

[Meio a meio. Cinco faixas, pausa pra ler sobre elas, mais cinco]

Berikely & Zama — “Havako”, do álbum Ela Ela

Berikely é um multi-instrumentista de Madagascar, e Zama é o nome de sua banda, composta por músicos de lá e da França. Ela Ela (“muito tempo” em malgaxe) é o primeiro disco desse conjunto, e nele Berikely (cujo nome, segundo este site, quer dizer algo como “Berizinho”), toca um instrumento chamado kabosy, uma espécie de cavaquinho com trastes desencontrados entre as cordas. Ele e a banda fazem um som extremamente original, suingado e tocado com perfeição.

Além da voz e do kabosy de Berikely, merecem destaque também os ritmos e percussões dos músicos da banda, que se saem bem demais tanto em faixas mais retonas (como “C’est le moment”) quanto nas quebradeiras polirrítmicas de “Havao” (“meus parentes”), “Salama” (“olá”) e “Mafoaka” (“escape”). As linhas de baixo também são excelentes, como “Fiova” (“mudança”) e “Mahavamba” (“incrível”) evidenciam. Um baita disco cheio de ritmos que eu não conhecia.

Marxist Love Disco Ensemble — “Hues of Red”, do álbum MLDE

Eu não esperava que o Marxist Love Disco Ensemble fosse, literalmente, um conjunto de Disco de amor marxista. Mas esse grupo italiano realmente faz música Disco sobre marxismo. Afinal, “por que o Disco, um gênero musical criado por minorias oprimidas, eventualmente se tornou sinônimo dos excessos do capitalismo ocidental?”, pergunta-se um membro do grupo identificado só como Paolo no bandcamp.

As letras do álbum falam sobre marxismo (títulos como “Manifesto”, “Brumaire”, “Material” e “Hues of Red” não me deixam mentir), e são acompanhadas por uma produção que remete mesmo a calças boca de sino, ao Nile Rodgers e à Donna Summer. São arranjos cheios, com batidas dançantes, linhas de baixo mirabolantes, vocais em coro, cordas dramáticas e refrões grudentos. Ou seja, só coisa boa.

Deize Tigrona — “Monalisa”, do álbum Foi Eu Que Fiz

Apesar do meu esforço de sair caçando música do mundo todo, eu sou culpado de incluir apenas tangencialmente o funk nessas playlists. Nesse mês eu consigo começar a resolver esse problema com esse álbum pesadíssimo da instituição Deize Tigrona, artista que já rodou o mundo, tocou com Buraka Som Sistema, foi sampleada pela MIA e agora retoma a carreira depois de um hiato difícil com um dos discos nacionais mais fodas do ano.

São sete faixas e vinte minutos de paulada. Muita putaria e batidas fodas que vão bem além do funk. O refrão de “Sururu das Meninas” já mostra que esse disco bebe de diversas influências e cria uma música eletrônica riquíssima com ênfase nas batidas e graves, mas com aquela célula rítmica do funk sempre dando as caras.

“Bondage” e “Ibiza” trazem a putaria com força, ao passo que “Sobrevivente de Rave” puxa o lado mais político. “Monalisa” é surpreendentemente melódica e tem uns agudos potentes nos vocais que chamam atenção na hora. E tanto a faixa-título quanto o encerramento “A Mãe Tá On” deixam claro que a cantora tem energia de sobra pra seguir arregaçando por muito tempo ainda.

Luísa e os Alquimistas — “Pedacinho do Céu”, do álbum Elixir

Este é o quinto álbum desse grupo de Natal, no Rio Grande do Norte, que opera uma fusão mirabolante de ritmos, estilos e idiomas. Aqui tem música brega, reggaeton, pop e experimentações eletrônicas. E a cantora Luísa Nascim canta em português, inglês, espanhol e francês, às vezes dois ou três idiomas na mesma faixa.

Só que tudo isso compactado em canções relativamente curtas e imediatamente grudentas, como “Boto pra Torar” e “Sabor de Vingança” — cuja letra também vale menção. “Pedacinho do Céu” é outra pérola imperdível do álbum, que cresce em várias direções ao mesmo tempo.

Dersuzalá — “Cadeira de Praia”, do EP Longe, Longe, Longe

Longe, Longe, Longe é o EP de estreia da dupla Dersuzalá, formada pelo produtor pernambucano Matheus Dalia e por Bruna Almonda, que vive em São Paulo. Segundo essa matéria do Hits Perdidos, foi um EP “feito no modo EAD”, nas palavras de Dalia, já que ele tava em Recife e Almonda na terra da garoa.

O som da dupla é super suave e relaxante. Andamentos médios ou lentos, arranjos relativamente esparsos, volume geralmente baixo. Uma batidinha tranquila, uma guitarrinha suave e a voz de Alimonda costumam ancorar as faixas. “Margem”, “Picolé” e “Detetives Selvagens” seguem esse plano. Me lembrou o The Sea and Cake e alguns outros projetos do Sam Prekop, mas com uma pegada mais latinoamericana.

As faixas que eu mais curti foram “Cadeira de Praia” (que consegue passar exatamente a sensação que o título sugere) e “Máquina de Lavar”, a mais longa do disco (e a de andamento mais lento, se não me engano). Mas todas as seis faixas e 22 minutos de música aqui são ótimos, também graças à produção certeira do Benke Ferraz do Boogarins.

[A hora da pausa, se quiser fazer, é aqui. Depois, mais cinco faixas e pronto!]

Preoccupations — “Ricochet”, do álbum Arrangements

O quarteto canadense chamado Preoccupations vem fazendo música legal sob vários nomes. Três de seus quatro membros eram da banda chamada Women, que acabou em 2010, e juntos eles formaram (com o quarto membro) o Viet Cong, que mudou de nome em 2015 para Preoccupations. Resumo: é basicamente a mesma banda há mais de uma década, mas Arrangements é “só” o terceiro disco deles sob esse nome. O antecessor, New Material, é lá do distante anos pré-pandêmico de 2018.

O som deles é um pós-punk bem sofisticado. Vários ritmos quebrados (“Recalibrate”), vários sons esquisitos (“Advisor”, “Death of Melody”). Eles são de Calgary, um lugar do Canadá onde deve fazer um frio sem noção, e eu sinto parte desse frio na música: é como se uma nevasca soprasse por cima da banda. Mas a banda em si toca riffs bem legais, com batidas diferentonas e aquele som de baixo oitentista que tem um sabor meio gótico / dark.

A soma disso tudo é um som que é original, levemente abrasivo e cheio de personalidade, além de facilmente abordável. “Ricochet” é a faixa que melhor ilustra isso tudo, mas o disco todo tá ótimo. Tava com saudades deles.

The Mars Volta — “No Case Gain”, do álbum The Mars Volta

Eu tava preparado para nunca mais escrever isso na vida, mas o Mars Volta lançou um disco novo. Esse “retorno” da dupla formada pelo guitarrista Omar Rodriguez-Lopez e pelo cantor Cedric Bixler-Zavala (além de uma tradicional comitiva de músicos hispanoamericanos incríveis) é o primeiro trabalho da banda desde Noctourniquet, de 2016 — sem contar o ANTEMASQUE, projeto paralelo dos dois. E previsivelmente, é diferente de tudo que veio antes. Imprevisivelmente, porém, é um disco bem suave.

A voz e as letras de Bixler-Zavala não deixam nunca você esquecer que é um disco do Mars Volta. Bem como as letras misturadas entre inglês e espanhol, as percussões afro-caribenhas e a produção sempre cativante de Rodriguez-Lopez. Mas esse disco tem 14 faixas e 44 minutos, a mais longa das quais não chega a quatro minutos e meio. Pra quem já fez disco com faixa de mais de meia hora (“Cassandra Gemini” do Frances the Mute), é um choque e tanto.

E no geral o disco é bem suave. Quase nada muito barulhento ou complexo (se bem que a levada quebrada de “Flash Burns From Flashbacks” chama a atenção). Alguns refrões bem legais (o de “No Case Gain” é meu favorito), alguns sons esquisitos (a voz processada em “Equus 3”) e estruturas estranhas (“Que Dios Te Maldiga Mi Corazon”, de um minuto e meio, que termina quando parece que vai começar). Mas no geral, o som e a sensação de velhos amigos se reencontrando e fazendo um som legal. E eu mesmo me senti como um desses velhos amigos ouvindo o disco, o que não é dizer pouco.

Jackson Wang — “Drive It Like You Stole It”, do álbum MAGIC MAN

Com uns 3 milhões de ouvintes mensais no Spotify, o Jackson Wang provavelmente é o artista mais popular a já participar de um 10 do Mês. Mas esse cantor nativo de Hong Kong ainda é desconhecido aqui. Ele é parte de uma onda crescente de “C-pop” (tipo K-pop mas da China) que já estourou em Singapura, Mianmar, Tailândia, Indonésia e Filipinas (são desses países, nessa ordem as 5 cidades em que ele tem mais ouvintes).

Esse é o terceiro disco dele, e é simplesmente filé. 10 faixas, 27 minutos, produção nota 10, refrões grudentos, andamentos e emoções variadas… Tudo que você esperaria de um artista desse porte. O som talvez surpreenda: é um rock que me lembrou o Artic Monkeys fase AM (praticamente o único disco deles que eu ainda ouço) ou algo do Jack White (pega o riffzão do refrão de “Come Alive”).

Algumas faixas pegam emprestado de hip-hop ou R’n’B, mas nem tanto assim — algo meio inusitado para pop contemporâneo. A cereja do bolo é a persona cativante que Wang constrói. As letras e a voz meio soprada dele estão ensopadas de confiança e presença. “Champagne Cool”, “Drive It Like You Stole It” e “Come Alive” foram as minhas favoritas. Mas falta tempo pro tanto de ideias que o cantor mostra aqui.

LYZZA — “Eraser”, do álbum MOSQUITO

Não é a Lizzo, é a LYZZA, cantora e produtora de música eletrônica radicada na Holanda mas nascida no Brasil (algo que você talvez nem descobrisse, porque ela canta quase 100% em inglês). MOSQUITO é o primeiro álbum cheio dela no Spotify, e as letras dele tematizam suas “experiências como mulher negra na indústria musical”, segundo o bandcamp.

A produção, por sua vez, é de um pop eletrônico bem agitado, com andamentos rapidões (“Lucky You”, “Heathens Call”), graves pesados, sintetizadores brilhantes e variados e melodias vocais memoráveis. Muito memoráveis! “Cheat Code” (a única que tem português no meio, se não me engano), “Eraser”, “Mind 2 Lips” e “Hold Me” formam uma sequência matadora no meio do disco. Muito recomendado!

Jean Medeiros — “Um Som pra Nós”, do álbum Contos de Terra e Sol

Esse é o álbum de estreia do guitarrista, compositor e educador piauiense Jean medeiros. Ele mostra aqui aquela música instrumental extremamente sofisticada da qual eu acredito que o Brasil é o principal expoente no mundo. É uma espécie de baião-samba-jazz-meu boi com ritmos super quebrados (a faixa-título que abre o disco já dá o tom) e virtuosismo de sobra, mas uma sensibilidade melódica aguçada e sempre presente.

Tocam com ele nesse disco Ajurinã Zwarg na bateria, Frederico Heliodoro no baixo e Thiago Ueda nas teclas. Várias faixas, como as lindas “Um Som pra Nós” e “Pau de Chuva”, têm melodias vocais sem letras também, e elas são inusitadamente grudentas. Há também um montão de participações especiais, incluindo uma flauda muito foda em “Só de Ida” e o acordeom de Cris Lima em “Fogopagô”. Mais uma pra mostrar pra quem diz que “a música brasileira hoje não é boa” ou asneiras semelhantes.

E esse foi o 10 do Mês de Setembro de 2022. Já sabe: curtiu o artista? Apoie como puder, seja com like, seja com dinheiro. É melhor eu começar o de outubro logo que se não ele só sai em dezembro, e o de novembro fica pra 2023. Mas eu ainda tô lá no Twitter se quiser dar um salve.

Nunca esteve tão evidente o que a gente precisa fazer para que o próximo mês seja melhor do que esse, então por favor faça. E que o nosso encontro seguinte seja cheio de esperança de mais música e arte pros próximos quatro anos.

Quer mais? O 10 do Mês de Agosto tá aqui e o de Julho tá aqui. Ou veja todos aqui.

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Gustavo Sumares

Jornalista, roteirista, editor, revisor. Falo aqui sobre música, especialmente por meio do 10 do Mês!