Meus discos favoritos de 2022

Gustavo Sumares
11 min readDec 28, 2022

Pois é, não teve 10 do Mês em novembro nem em dezembro. Teve copa do mundo, o que deve ter sido entretenimento suficiente para todos, apesar do desempenho inadequado da nossa seleção. Pra mim pelo menos foi, e a final entre Argentina e França só não está aqui porque não é um disco. Mas deveria.

A copa teve ainda o efeito colateral de bagunçar meus horários de trabalhos todos. De modo que quando novembro acabou, não só eu não tinha ouvido quase nada de música como ainda pra cima tinha uma pilha de trabalho pra fazer. Infelizmente, diante dessas circunstâncias, a descoberta e o desfrute musical ficaram em (décimo) segundo plano.

Ainda assim, encerrar 2022 sem falar dos meus discos favoritos me pareceria ingratidão. Eu faço isso pelo menos desde 2013, e sempre tem pelo menos uma pessoa que me diz que descobriu algo legal por causa da minha lista de fim de ano. Mas mesmo que não tivesse, esse processo me ajuda a trazer para a mente e o coração algumas das coisas boas que rolaram nos últimos 12 meses, o que com certeza me dá trabalho, mas com igual segurança eu digo que me faz bem.

Em 2022, acho que a gente conseguiu explorar ainda mais destinos diferentes do que no ano passado. Apesar de alguns percalços, como o fim da newsletter do NewAlbumReleases.net e uma piora considerável na curadoria do Bandcamp, ainda foi possível localizar artistas interessantes de destinos e estilos subrepresentados.

Essa lista reflete isso. Eu escolhi 25 discos pra deixar um número grande mas razoável. Fui pondo os que eu lembrava mais, depois dei uma geral pra ver se não esqueci de nada e no fim coloquei em ordem alfabética, porque ainda acho sem sentido ordenar música.

No final, esses discos representam pelo menos 12 países diferentes, incluindo quase todos os continentes do mundo (faltou só a Oceania). E o Brasil naturalmente arrasou, ocupando 40% da lista.

Não gosto de dizer que esses são os melhores discos do ano. Foram os que eu mais curti, e sempre na pegada de não destacar o que já está destacado. Ainda assim, quando eu vejo listas de “melhores do ano” que só tem coisas dos EUA / Europa, não consigo evitar pensar que isso que a gente faz aqui é muito mais divertido. Depois de ver a lista, me diga se você não concorda.

Ana Cacimba — Azeviche

Infelizmente esse disco ainda é pouco ouvido, mas o primeiro álbum da cantora e compositora paulista é uma produção maravilhosa. Com influências diversas incluindo MPB, soul, pop e mais, além de arranjos e produções lindas, é um trabalho extremamente maduro e bem executado. Aposto que os próximos vão ser ainda melhores.

Bala Desejo — SIM SIM SIM

Esse disco foi meio inescapável em 2022, sem dúvida pela qualidade dele de consolidar tantas referências brasileiras maravilhosas em um tempo tão curto. Não foi um disco que eu ouvi tanto assim, mas eu curti sempre que ouvi, e em muitos aspectos eu sinto que esse ano não seria o mesmo sem ele.

Bel Medula — Abala Ladaia

O quarto álbum da cantora e produtora gaúcha em quatro anos é um lançamento denso. Cheio de letras sagazes, sons eletrônicos interessantes e batidas complexas, suas 12 faixas quase não bastam pra conter a avalanche de ideias em apenas 33 minutos. E no entanto, se você só quiser ouvir uma vez sem prestar muita atenção, provavelmente também vai curtir.

Blood Command — Praise Armageddonism

Eu tinha altas expectativas pro retorno dessa banda norueguesa de punk / metal, já que o disco anterior deles, de 2017, é um dos meus favoritos da vida. Infelizmente nçao voltaram com a mesma vocalista, mas acharam outra igualmente nervosa. Os riffs pedaçudos, a bateria ligada no 220v, os refrões grudentos e as performances incríveis da banda toda me ajudaram demais a encarar as partes mais chatas de 2022.

Boris — Heavy Rocks

Já é o terceiro disco que o trio de metal japonês Boris lança com o título de Heavy Rocks, e é o terceiro que é foda. Como sempre, esperar o inesperado é a regra com eles, e embora a maioria das faixas entreguem aquela mistura de metal e hardcore que eles reservam pros álbuns mais curtos, há também algumas surpresas, como o encerramento impactante.

Brisa Flow — Janequeo

Cantado em pelo menos três idiomas, Janequeo é um álbum de hip-hop / trap pesado — às vezes, como em “Etnocídio”, pesado pra caralho. Mas o que a rapper paulista Brisa Flow entrega nesse disco é um golpe firme, um breve resumo da grandeza e riqueza dos povos originários em 13 faixas e 36 minutos. Não feche 2022 sem ouvir.

Carmen Souza — Interconnectedness

Ha uma musicalidade incrível que cerca a cantora portuguesa (filha de pais de Cabo Verde) nesse disco maravilhoso. As performances da bateria, baixo, percussões, piano e guitarra são todas fascinantes. E a voz de Carmen Souza, mais ainda. Das faixas mais agitadas de ritmos tortos às baladas mais suaves, ela navega tudo com controle e beleza arrebatadores.

Deize Tigrona — Foi Eu Que Fiz

Que retorno primoroso esse disco da Deize Tigrona. Acho que nenhum outro disco tem a mesma energia por segundo que esse trabalho aqui. Os beats de “Bondage”, “Foi Eu Que Fiz” e “A Mãe Tá On” são suficiente pra deixar alguém sarrando até 2028, e as letras não ficam atrás. Me dá até uma segurança de dizer que “Monalisa” foi a melhor faixa de 2022.

El Khat — Albat Alawi Op. 99

Provavelmente o disco mais diferentão dessa lista, e não sem motivo: foi composto pelo refugiado iemenita Eyal el Wahab para instrumentos improvisados, muitos feitos de material reciclado. E a esses instrumentos novos o grupo dá também uma harmonia e um ritmo novo, criando um dos álbuns mais deslumbrantes e esquisitos desse ano.

Etran de L’Aïr — Agadez

Se você curtiu o Afrique Victime do Mdou Moctar em 2021, vai curtir também esse segundo lançamento do conjunto Etran de L’Aïr da cidade de Agadez no Niger. Linhas incríveis de guitarra, batidas irresistíveis e uma espontaneidade maravilhosa nas performances consolidam os arredores do Saara como um dos pólos mais interessantes do rock atual.

FINGERGAP — Shan Shan 160

Essa foi minha descoberta favorito do ano. Música eletrônica chinesa extremamente melodiosa e com produção incrível, com um vocalista uigur-coreano que arrasa. Uma energia simplesmente contagiante, com momentos de uma beleza que você não espera achar num álbum desses. Bota esse disco pra tocar, garanto que você vai se divertir.

Iara Rennó — Oríkì

Fé e espiritualidade estão no centro de Oríkì, o sétimo disco da musicista paulista Iara Rennó (segundo o Spotify pelo menos), e não só nas letras. Por meio do uso intenso de percussões, arranjos suntuosos, metais imponentes, ritmos envolventes e participações excelentes que incluem Criolo, Lucas Santtana, Anelis Assumpção e mais — além, claro, das belas letras de Rennó — a cantora criou não só um álbum muito rico musicalmente como também uma obra que ajuda a entrar em contato com a espiritualidade.

Jackson Wang — MAGIC MAN

Esse cantor de Hong Kong talvez seja o artista mais popular dessa lista, com mais de 3 milhões de ouvintes mensais no Spotify. Esse disco mostra que não é à toa. Em menos de meia hora ele entrega baladas, R’n’B, riffs estilo Jack White e muito mais. Tudo com respeito às referências de cada gênero, msa também com uma característica toda dele. Discaço.

Josyara — ÀdeusdarÁ

Acho que não dava para a Josyara fazer feio depois de Mansa Fúria. Mas com ÀdeusdarÁ, ela fez muito bonito. Esse segundo álbum expande o som dela em inúmeras direções, com arranjos mais cheios e produção mais afiada. E no entanto, a voz e o violão magníficos dela continuam sendo a firme coluna dessas canções, dando a elas uma postura impecável.

Kaizo Slumber — The Kaizo Manifesto

Ainda na editoria “música eletrônica empolgante”, o disco do produtor líbio-alemão Kaizo Slumber foi outra referência essencial esse ano. Parece a trilha sonora de um jogo de Dreamcast sobre raves que foi cancelado por ser divertido demais. Samples curiosos de voz, melodias bonitas, linhas de baixo estouradas e andamentos loucamente rápidos criam um caldo ótimo.

Lalalar — Bi Cinnete Bakar

O nome estranho do trio turco e do álbum (“Olha a loucura”, segundo o Google) escondem um dos trabalhos mais ambiciosos de 2022. Uma misutra de rock, hip-hop e música turca, é um álbum que não sossega nunca nos ritmos pesados e sons diferentões. Um trabalho implacável, graças também à produção intensa que satura todos os sons.

Luneta Mágina — No Paiz das Amazonas

Após muitos atrasos, esse disco fantástico do quarteto amazonense Luneta Mágica finalmente veio à luz em 2022, e em boa hora. O rock psicodélico brisado do grupo tem ideias suficientes para transportar o ouvinte ao longo de uma viagem de 50 minutos por entre cachoeiras de água e de sons, com surpresas a cada faixa.

Odradek — Liminal

Talvez até mais que nos últimos anos, 2022 teve momentos que exigiram barulheira ensandecida. E o Odradek esteve à altura do desafio. O trio de math-rock de Limeira soltou um dos álbuns mais selvagens do ano, não apenas musicalmente abrasivo e sofisticado como emocionalmente intenso. E eu sinto que essa banda ainda tem mais truques na cartola.

Otoboke Beaver — Super Champon

Tocas as músicas que as quatro moças japonesas do Otooke Beaver tocam não tem nada de fácil. Fazer isso com a graça, desenvoltura e humor que elas fazem é algo de outro mundo (saca elas na KEXP pra você ver). sem nem falar na representatividade, oque Super Champon faz não é pouco: nunca música tão complicada foi tão divertida.

Ozu — Burnout

A arte inventa a realidade: se me pedissem pra descrever o disco perfeito do Ozu, o que eu diria não seria tão bom quanto Burnout. Um álbum brasileiro de trip-hop que captura perfeitamente os climas soturnos e sensuais desse gênero, mas que também dialoga com o sombrio esgotamento da nossa sociedade e as emoções que ele traz. Relaxante. Mas intenso.

Pongo — Sakidila

Esse disco da cantora angolana Pongo é uma das produções mais dançantes do ano. Aqui tem um pouco de kuduro, um pouco de hip hop, um pouco de funk e uma montanha de estilo. Ela vai mudando um pouquinho de uma faixa pra outra, mas no final, praticamente todas são matadoras. E tanto a energia quanto o vocabulário musical da cantora sobram ao fim dos 40 minutos do disco.

Sonido Gallo Negro — Paganismo

É legal demais esse segundo álbum do conjunto mexicano com 9 integrantes chamado Sonido Gallo Negro. Eles se propõem a retomar a cumbia peruana da década de 70, e não sei dizer se conseguem, mas conseguem criar algumas das faixas instrumentais mais irresistíveis de 2022. Guitarras e metaleira afiadíssimas, e percussões então nem se fala. Coisa de outro mundo.

Soshi Takeda — Same Place, Another Time

Saiu em janeiro, mas a tranquilidade que o EP desse artista japonês me proporcionou durou boa parte do ano. Tem uma estética meio vaporwave sim, mas o carinho e amor do artista pelo material que ele emula ficam evidentes em cada nota. E acima de tudo, as composições meio ambient, selecionam cuidadosamente sons, andamentos e melodias que te transportam para um infomercial de agência turística dos anos 90.

Timpana — Gwandena

A cantora boliviana Timpana criou em Gwandena um disco eletrônico extremamente interessante graças à incorporação de ritmos e timbres tradicionais do país. Ele é cantado em espanhol, quéchua e guaraní, mas suas melodias têm uma beleza que você vai entender mesmo que só fale árabe, tudo isso sem abrir mão de uma base dançante e envolvente.

Tumi Mogorosi — Group Theory: Black Music

Um disco que parece vir de 100 anos no futuro, ou de uma dimensão paralela. É esse o terceiro álbum do baterista e compositor sul-africano Tumi Mogorosi, que encorpa suas composições de jazz com coros magistralmente cantados que dão um peso fenomenal às faixas mais emotivas, mas sem tirar a energia e improviso dos temas mais agitados. Ocupa um espaço só dele na paisagem musical desse ano.

E esse foi o 2022 do 10 do Mês! Foi um prazer vir com vocês até aqui. Seguimos agora com o intenso trabalho de comer e descansar para parir o ano seguinte. Enquanto o Twitter não se desintegra de vez, eu sigo por lá caso você queira dar um alô. Se não nos falarmos mais, boas festas e que 2023 entregue todas as coisas boas que a gente merece!

Quer mais? Veja meus favoritos de 2021 aqui, e os de 2020 aqui. Ou veja aqui tudo do 10 do Mês.

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Gustavo Sumares

Jornalista, roteirista, editor, revisor. Falo aqui sobre música, especialmente por meio do 10 do Mês!