Obrigado 10 do Mês

Gustavo Sumares
9 min readFeb 24, 2023

Pois é. Tendo completado quatro anos (um como podcast mensal, três como texto mensal), o 10 do Mês chegou ao fim com 2022. Já tinha rolado atrasos no fim do ano passado, e em determinado momento ficou claro pra mim que o formato já tinha dado o que tinha que dar.

Eu vou explicar a sequência de pensamentos que me levou a essa decisão a seguir. Mas desde já quero agradecer de coração, mais uma vez, todo mundo que leu, ouviu e curtiu o 10 do Mês enquanto ele existiu. O texto será pontuado com as capas de discos que eu mais curti descobrir com vocês nesses últimos anos. Eu criei cada 10 do Mês com um sonho no coração, e se você descobriu uma música legal em qualquer um deles, meu sonho se realizou. Obrigado ❤.

Esse disco da Rita Indiana foi um dos melhores de 2020, e colocou numa perspectiva adequada o fim de mundo pelo qual estávamos passando na época.

O que rolou?

A real é que eu comecei o 10 do Mês lá em 2019 na Contra.fm com o objetivo de me forçar a ouvir mais música atual. Deu certo. E embora a Contra.fm tenha deixado de funcionar ainda no começo de 2020, eu mudei para um formato escrito e segui fazendo — por mais três anos.

De lá pra cá, eu praticamente ouvi coisa nova. E sempre buscando artistas menos conhecidos, de estilos, destinos ou demografias menos representados na mídia tradicional. Eu fiz descobertas maravilhosas fazendo isso, a durante a parte mais tensa da pandemia — quando não se sabia quase nada sobre COVID, vacinas eram um sonho distante, ver amigos ou namorades era jogar roleta russa e sair de casa em geral era desaconselhável — foi ótimo ter algo de novo para ouvir e criar todo mês.

Mas essa produção também acabou me rendendo um hábito musical bem esquisito. Fiquei alienado não só do que tava rolando no mainstream mas mesmo de algumas cenas que eu costumava acompanhar com mais regularidade. Eu ouvia uns 40 discos por mês pelo menos, todos lançados naquele mês, e a verdade é que a maioria não era nada demais. Pra cada Rita Indiana, Nihiloxica ou FINGERGAP que eu descobri teve pelo menos três discos bem mais ou menos (e um péssimo).

Só descobri o FINGERGAP por causa do 10 do Mês, e esse disco é um dos lançamentos mais divertidos de 2022.

Além disso, também cheguei a deixar de ouvir coisas que eu achei interessante porque elas eram de dois meses atrás e eu não teria tempo de fechar a edição. Quando me perguntavam o que eu tava ouvindo de legal, eu ficava receoso de dar spoiler. Quando me perguntavam que tipo de música eu curtia ouvir, eu já nem sabia o que dizer. Aquela velha história de lazer que acabava virando trabalho.

E daí?

Não é que eu fosse mudar o que eu ouvia de uma hora pra outra. Mas às vezes me vinha a vontade de revisitar algum artista, disco ou estilo que eu tinha curtido no passado, e eu acabava deixando isso de lado pra focar na música nova.

Isso tudo sem falar na redação do 10 do Mês. Minha ideia sempre foi justificar tanto quanto possível cada recomendação, principalmente por uma crença de que a gente curte música nova mais por fatores sociais do que por fatores musicais. E também como diferencial da minha curadoria, além de reconhecimento aos artistas incluídos.

Até hoje acho que não ouvi nada tão potente quanto esse álbum do Nihiloxica, um grupo de percussão de Uganda. Ainda não estou convencido de que é possível.

Mas pesquisar e escrever cada um daqueles textos dava trabalho. Chutando baixo, cada textinho daqueles levava meia hora, o que dá pra mais de cinco horinhas pra cada playlist. Fora a introdução, as menções honrosas, caçar as capas, etc. Isso até era tranquilo de fazer nos fins de semana de 2020 e 2021, quando as opções de lazer e sociabilidade incluíam quase sempre um risco de morte.

Mas conforme a pademia ficou mais controlada e eu pude sair e ver amigos de novo, isso foi ficando mais difícil. Era preciso achar intervalos durante a semana, o que era bem desgastante considerando que eu já trabalho escrevendo outras coisas oito horas por dia. Pra não atrasar demais a playlist de alguns meses, eu acabei comprometendo a qualidade dos textos, o que me doeu o coração mas pelo menos impediu maiores atrasos.

Com tudo isso, no fim de 2022 eu tava determinado a parar. Fiquei ouvindo coisas velhas (sobre as quais vou escrever também depois), ouvindo meus discos favoritos, ou em silêncio mesmo. Fiquei avaliando como minha perspectiva sobre música mudou desde que eu comecei o 10 do Mês, e a conclusão foi que a experiência de escrever esse texto mensal me fez muito bem, embora eu estivesse cansado.

Esse disco do baterista indiano Sarathy Korwar teve um impacto profundo em mim lá em 2019 e eu diria que mudou a maneira como eu ouvia música.

Só que não teve jeito. Passadas algumas semanas de janeiro, eu quis ouvir algo diferente e fui lá no newalbumreleases.net ver o que tinha de novo e interessante. Fiz uma lista de uns 15 discos e fui um por um, destacando as faixas que mais curti, pensando no que falaria sobre eles… quando vi, estava escrevendo na minha cabeça já, e resistir a esse impulso era ruim.

Por que resistir, então? Porque eu não sabia se acharia 10 faixas legais pra preencher a lista. Ou quanto tempo eu levaria para escrever (e que coisas eu precisaria deixar de fazer para ter tempo de escrever). Demorou para eu me tocar que esse formato era imposto apenas por mim mesmo e pode mudar se eu quiser. Depois de perceber isso, eu quis.

E agora?

Eu escrevo sobre música de um jeito ou de outro faz mais de 10 anos. Em 2013 eu comecei a colaborar pro Move That Jukebox (descanse em paz) primeiro de graça, depois recebendo, depois de graça de novo, e não parei desde então. Meu plano por enquanto é seguir pelo Medium enquanto ele não vai de Twitter, mas sem precisar ouvir mais de 40 discos por mês, escolher 10 e escrever sobre todos eles.

Seria tão bom viver no multiverso em que o lançamento dessa estreia do Bab L’bluz tornou todo o rock ocidental permanentemente mais magrebino.

Eu provavelmente vou voltar a fazer resenhas de discos novos individualmente, como já fazia antes (se você fuçar na minha conta vai achar algumas), mas mantendo a atitude curatorial que eu desenvolvi com o 10 do Mês. Eu descobri muitas coisas legais ouvindo música daquele jeito e não pretendo parar tão cedo assim.

Também quero fazer textos falando de maneira mais abrangentes sobre estilos, cenas musicais, playlists e outros recortes além de álbuns. Eu ainda ouço música primariamente ouvindo álbuns, mas tenho consciência cada vez maior de que o ouvido dos outros tem tomado outros caminhos. Na real, não sei o que vai surgir, mas estou encarando o mesmo vazio do qual o 10 do Mês saiu, então me sinto relativamente seguro.

E o que eu leio/ouço agora?

Não queria deixar ninguém desamparado com esse encerramento. Então o mínimo que eu posso fazer é recomendar aqui alguns outros recursos online excelentes pra descobrir música nova ou redescobrir música antiga.

Muitos deles já foram citados no 10 do Mês, e alguns deles foram fonte de descoberta de vários discos que entraram nas playlists, então acho que quem curtiu aqueles textos vai curtir essas indicações também. Esse fica sendo então um 10 do Mês final, com 10 indicações de links que eu usei para montar o 10 do Mês nos últimos quatro anos.

Um dos melhores discos de 2020 veio do Djibouti

New Album Releases — Com certeza eu já falei dele. É um site de pirataria. Tudo que vaza de novo na rede cai aqui, incluindo (e especialmente) coisas que você nem saberia que existem se elas não aparecessem aqui. Ele permite filtrar por estilos, mas o meu favorito é clicar em “Archive” (abaixo de “Home” no canto superior esquerdo) e ir avaliando um por um enquanto as horas voam.

Allmusic.com — Foi um dos primeiros sites de música que eu conheci lá na época da internet discada. Ficava horas lendo biografias e resenhas de discos das bandas que eu curtia. Ele não é mais a referência central que já foi, mas a newsletter semanal de lançamentos deles (embora meio centrada em Europa ocidental e América do Norte) tem excelentes indicações.

App do Bandcamp (Android / iOS) — Ao abrir o app do Bandcamp você já cai direto na aba “Featured”. Essa aba é tipo um blog dos anos 2000 e pouco com indicações de música nova, muitas delas escolhidas pelos próprios editores do site. A curadoria piorou bastante desde que o Bandcamp foi comprado pela Epic Games, mas ainda dá pra achar coisas legais por lá.

Grupo da Sinewave — Praticamente o único motivo pra entrar no app de recrutamento da extrema-direita chamado Facebook hoje em dia. O grupo da Sinewave é uma das melhores tentativas de reproduzir o clima de “comunidade do Orkut” que representou o auge da internet uma década atrás, e é um ótimo lugar pra achar música nova. Toda sexta rola um post de lançamentos da semana, e é comum que artistas deixem lá links para suas próprias obras. Muita coisa foi desse post direto pro 10 do Mês.

Quem diria lá em 2019 que essas moças em breve tocariam na KEPX algumas das faixas mais complicadas a já passar por aquela rádio?

Elson Barbosa — O Elson é um dos fundadores da Sinewave, idealizador da Contra.fm e também alguém que adora descobrir música nova. Sempre que ele posta algo de novo no Medium eu vou ler porque sei que vou descobrir um som pesadão novo ou aprender algo legal.

Sounds Like Us — A Amanda e o Vina do SLUS sempre foram uma referência do 10 do Mês quanto a compartilhar dicas de coisas amadas. Eles focam bastante em rock, metal e “música torta” de modo geral, e descobrem coisas muito legais nesse nicho.

Volume Morto — É o site do GG Albuquerque, fundador também do Portal Embrazado e doutorando em Estéticas e Culturas da Imagem e do Som pela (UFPE). Sempre tem ótimas análises e destaca especialmente estilos musicais populares do Brasil (funk, piseiro e muito mais), África, Oriente Médio e mais. Indicou vários sons legais pras playlists e abriu minha mente.

Telhado de Vidro — É uma espécie de revista online do jornalista veterano Marco Antonio Barbosa, que já escreveu pra Veja Rio, Jornal do Brasil, Extra, etc. A maneira como ele escreve sobre música é apaixonante, e sempre foi uma referência pra mim em termos de jornalismo musical.

Hits Perdidos — Mais de uma vez aconteceu de eu achar que era a primeira pessoa a escrever sobre determinado artista apenas para me deparar com um post do Hits Perdidos ao jogar o nome da banda no Google. A curadoria deles é excelente, e a redação não fica atrás. Também tem notícias e dicas de shows, o que pode ajudar bastante.

The Quietus — É outro site gringo de música focado não só em novos lançamentos mas também com notícias e matérias maiores. A curadoria deles é um destaque, já que eles focam em música torta mas com um interesse maior em criações do sul global do que a maioria dos outros sites. A lista de melhores do ano deles sempre tem ótimas dicas que eu deixei passar.

Imperdível esse discaço de 2021 do produtor marroquino Guedra Guedra (e eu quase perdi).

E por último

Mais uma vez, obrigado por todas as audições e leituras atenciosas. Por mais exigente que tenha sido, foi um prazer descobrir e compartilhar esse tanto de música nova com vocês nos últimos quatro anos. Eu fiz amizades novas, aprofundei amizades antigas e ouvi coisas que nem imaginava. Se você teve qualquer parte nisso, por menor que seja, saiba que minha gratidão é imensa.

Não é demais reforçar: por mais que a gente tenha novamente um Ministério da Cultura, ainda é importante apoiar os artistas que você curte da maneira que estiver ao seu alcance. Seja comprando discos, seja mandando mensagens carinhosas. Também não é demais reforçar: álcool gel, água e consciência de classe são sempre bons.

Se quiser, pode me seguir por aqui mesmo. Assim quando eu postar algo novo você ficará sabendo (espero, não sei se as notificações desse site funcionam mesmo). Tenho certeza de que logo a gente se encontra de novo! Beijos.

--

--

Gustavo Sumares

Jornalista, roteirista, editor, revisor. Falo aqui sobre música, especialmente por meio do 10 do Mês!