10 do Mês — Outubro de 2022

Gustavo Sumares
8 min readNov 18, 2022

Escute aqui: https://open.spotify.com/playlist/2UK5gxgCGpDyQTyPuQZtcz?si=6e6aad6b9ee644a0

Quem é vivo sempre aparece, e eis que aparecemos hoje nós para apresentar, quase em novembro, o 10 do Mês de Outubro de 2022. A essa altura, você já sabe o que esperar, certo?

Entre tantas festividades e comemorações que o fim de outubro trouxe a quem tem consciência de classe, ficou complicado achar tempo para escrever entre trabalho e lazer. Fora que o nervoso do segundo turno dificultou bastante qualquer tipo de apreciação artística, de forma que eu só ouvi em novembro boa parte das músicas lançadas em outubro.

E claro, teve bastante coisa legal. Essa playlist deixa pouco a desejar às demais, eu acho. Se ela tem algo de diferente, é um número reduzido de artistas brasileiros. Não sei dizer o que rolou — quando eu fui ver, tinha ouvido coisas da Bolívia, México, Portugal e bem mais, mas poucos lançamentos brasileiros. Veja só que coisa estranha:

Menções honrosas

Hermanos Gutiérrez — El Bueno Y El Malo: São dois irmãos tocando violão, com acompanhamentos bem discretos, e parece a trilha sonora de um road movie ambientado no deserto do Texas. Produzido pelo Dan Auerbach, guitarrista do Black Keys.

Liturgy — As The Blood of God Burst the Veins of Time: Ravenna Hunt-Hendrix representa a absoluta vanguarda do black metal, e esse novo EP do Liturgy deixa isso mais claro. Música tão intensa quanto possível, desafiadora e, na faixa final, linda.

e então

10 do Mês de Outubro de 2022

[Deu trabalho, mas essa playlist ficou legal de ponta a ponta. Se quiser pausar, é na metade]

Nok Cultural Ensemble — “Sang Awun”, do álbum Njhyi

Eu sou fã de grupos de percussão que deixam os instrumentos melódicos e harmônicos em segundo plano, e esse é o caso do Nok Cultural Ensemble — um quarteto de músicos descentendes de nigerianos radicados no Reino Unido. Njhyi, primeiro trabalho da banda, tem ótimas participações epseciais: Theon Cross, do Sons of Kemet, e a saxofonista Nubya Garcia entre elas. Mas o foco é na avalanche de tambores, blocos, caixas, chocalhos e pandeiros que tecem composições como “Sang Awun”, “Ancestral Visions” e “Lyet” — que traz uma bateria eletrônica também. Música instrumental de primeira qualidade.

Carmen Souza — “Gratidon”, do álbum Interconnectedness

A voz da cantora portuguesa de pais caboverdeanos me pegou de surpresa. Ela é incrivelmente expressiva, mas de um jeito diferente do que eu tô acostumado a ouvir. É o centro desse disco de 10 faixas e 37 minutos, nos quais Souza é acompanhada principalmente por um montão de percussões. Faixas como “Maman” e a faixa-título têm violão e baixo muito bem tocados, e há um piano bem legal em “Sopru de Amor”, mas são as percussões os destaques de “Dja Txiga”, “Gratidon” e da faixa final, uma linda execução do clássico “Pata Pata” — faixa que eu apostaria que você já ouviu mas ainda não sabe.

The Orielles — “The Instrument”, do álbum Tableau

Disco Volador, do quarteto inglês The Orielles, foi um dos meus discos favoritos de 2020. Era um disco divertidinho e meio viajado, de modo que o sombrio e ambicioso Tableau que veio como sequência agora em outubro é uma leve choque. Com 16 faixas e 62 minutos, é um disco comprido. Mas é cheio de ideias também, que expandem o estilo indie do conjunto para um lado mais parecido com o Pram ou o mais recente Chalk People, e muitas delas bem inesperadas. Três dessas faixas passam dos sete minutos, e “The Improvisation 001” passa de oito. Ela vem na sequência da ótima “The Instrument”, o que dá uma sequência impressionante de 12 minutos de música. As faixas mais curtas, como “Television” e “Drawn and Defined”, equilibram esse lado experimental com uma concisão e objetividade maiores. Um álbum surpreendente.

Charlotte dos Santos — “Away From You”, do álbum Morfo

Não é de hoje que eu curto a Charlotte dos Santos — é de 2017, quando ela lançou Cleo, seu álbum de estreia. Ela lançou um EP que eu destaquei no 10 do Mês de Março de 2020, logo antes (ou talvez no momento exato) do mundo ir de vez pro caralho, mas Morfo é o verdadeiro sucessor de Cleo. É um álbum excelente de 13 faixas e 42 minutos, talvez um pouco mais tradicional e previsível que os lançamentos anteriores dela, mas nem um pouco pior. É um R’n’B excelente com andamentos de lento para médios, batidas e linhas de baixo legais, e melodias da voz bonita da cantora. Daria pra colocar praticamente qualquer faixa do disco aqui, e eu pensei em colocar “Filha do Sol”, na qual a cantora (filha de pai brasileiro e mãe norueguesa) arrisca um português, mas “Away From You” falou mais alto.

Celest — “Dí Que No”, do álbum Revelaciones

Espécie de Cocteau Twins mexicano, o Celest é um quarteto formado na Cidade do México que toca um som etéreo, bonito e levemente melancólico. As faixas tem andamentos medianos, arranjos densos centrados em bateria, baixo e guitarras processadas, e com a bela voz da cantora cujo nome eu não consegui descobrir de jeito nenhum (o de nenhum dos integrantes, aliás). Revelaciones é o segundo disco deles, uma brisa envolvente de 9 faixas e 35 minutos que eu curti demais.

[pausa]

cajupitanga — “Mormaço, Arabutã”, do álbum Ensaios Férteis

No 10 do Mês de Julho de 2021 eu destaquei a estreia da dupla baiana cajupitanga, elogiando a mistura deles de um vioão tradicional da MPB com elementos mais eletrônicos e doidões. E não é que eles fizeram tudo ainda melhor no segundo disco? Nas 11 faixas e 28 minutos de Ensaios Férteis, os andamentos continuam lentos e o clima descontraído, mas sonoramente tem ainda mais coisa acontecendo. “Prata” e “Mormaço, Arabutã” logo no começo do disco já transportam o ouvinte bem longe, e várias faixas curtinhas como “Trama” e “Tardia” trazem surpresas sonoras diversas. Mas quando o som se cristaliza em composições mais estruturadas, como “De Manhã” e “Sereno”, o resultado é original e excelente.

iLe — “(Escapándome) de mí”, do álbum Nacarile

Nacarile é o terceiro disco solo da portorriquenha Ileana Cabra Joglar, vulgo iLe, que já é famosa antes disso: ela é parte do Calle 13, parente tanto do Visitante quanto do Residente. Ainda tem algo do conjunto no som desse disco, mas no geral é um trabalho mais introspectivo e tranquilo. Faixas como “A la deriva”, “En Cantos” e “traguito” só lembram de passagem o grupo, mas retém os ritmos caribenhos e a performance vocal de iLe — que recebe convidadas do calibre de Mon Laferte e Natalia Lafourcade. E como se poderia esperar, as letras também são bem legais. “(Escapándome) de mí” é a que vem a mente, e “Ningún Lugar” tem umas rimas bem daoras do rapper argentino Trueno.

Bia Nascimento — “Teoria do Chão”, do EP Brasa Cor

Brasa Cor é o primeiro trabalho solo da violonista Bia Nascimento, de Juiz de Fora. Nessa matéria super legal da Tribuna de Minas, ela conta que já tinha tocado em outras bandas e vinha participando de rodas de choro, mas durante a pandemia se viu com composições instrumentais que ela não sabia muito bem onde colocar. Eis que saiu esse EP. É um disco centrado no violão, que ela toca maravilhosamente — é só ela que toca em “Saudade” e não falta nada. Mas nas outras quatro faixas desse EP de 15 minutos, ela é acompanhada ora por pandeiro ora por bateria. Esses instrumentos ajudam a dar um senso ritmico as faixas sem tirar o foco da execução impecável da violonista. A faixa-título e “Teoria do Chão” foram as que eu mais curti.

Timpana — “Zayanqu”, do álbum Gwandena

A cantora e compositora boliviana Alejandra Lanza estreou em 2009 sob o nome artístico de Timpana com o álbum Alma Perdida e só agora em 2022 deu sequência a ele com esse disco mirabolante de 7 faixas e 23 minutos cantado em quéchua, guarani e espanhol. A sonoridade é eletrônica, mas os ritmos são afro-latinos — “Estrella Brillosa” tem algo de reggaeton até. E os timbres são magnificamente variados! O começo de “Amayu”, por exemplo, tem uma flauta que parece se transformar em sintetizador e voltar. Tem também umas cordas e percussões afinadas na faixa-título que eu não sei se são eletrônicas ou não, mas se misturam muito bem com o baixo sintético. E de onde será que vem o som que toca no começo de “Zayanqu”? No bandcamp, Lanza comenta que o disco conta uma história de cosmogonia, e a sonoridade está à altura da narração.

Justice — “Planisphere Part III”, do EP Planisphere

Eu sempre gostei muito da mistura de música eletrônica e disco com sons abrasivos e super-comprimidos que a dupla francesa Justice faz. E embora até hoje eles ainda sejam lembrados pela estreia maravilhosa deles em 2007, o trabalho mais recente deles também é excelente, como mostra o recém-lançado EP Planisphere. É uma composição só, dividida em 4 faixas, totalizando 17 minutos. Começa meio psicodélica e retrô, termina com guitarra e sintetizadores distorcidos, mas é na parte três que ela atinge o que me parece seu auge, com um sample de voz incompreensível e uma batida dançante.

E esse foi o 10 do Mês de Outubro de 2022! Pois é, logo menos tem outro. Se quiser, dá um salve no Twitter (enquanto ele ainda existe) pra recomendar música pro de novembro. E lembre-se de apoiar os artistas que você curte da maneira que você puder.

A pandemia já passou, mas recentemente usar máscara voltou a ser importante. Da mesma forma, a eleição já passou, mas a consciência de classe continua sendo indispensável. Consciência e saúde é o que eu lhes desejo até nosso próximo encontro, espero que logo!

Quer mais? O 10 do Mês de Setembro tá aqui e o de Agosto tá aqui. Ou veja todos aqui.

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Gustavo Sumares

Jornalista, roteirista, editor, revisor. Falo aqui sobre música, especialmente por meio do 10 do Mês!